ESTUDO PRELIMINAR
Hipóteses legais aplicáveis ao tratamento de dados
pessoais de crianças e adolescentes
O presente estudo contém análise de caráter preliminar, com vistas a fomentar o debate público e
subsidiar futura tomada de decisão sobre o tema pela ANPD. A análise apresentada neste documento
não representa necessariamente a opinião final da ANPD sobre o tema.
Comentários e sugestões sobre o texto podem ser enviados por meio da Plataforma Participa Mais
Brasil (https://www.gov.br/participamaisbrasil/enunciado-criancas-e-adolescentes), observado o
prazo indicado na página da ANPD na internet.
Setembro/2022
Anexo Estudo Preliminar (3615243) SEI 00261.001880/2022-84 / pg. 1
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO………………………………………………………………………………………………………………..3

  1. ASPECTOS GERAIS …………………………………………………………………………………………………………4
  2. DAS POSSIBILIDADES DE INTERPRETAÇÃO………………………………………………………………………..6
    3.1 Interpretação nº 1 – aplicação do consentimento (art.14, §1º) como a única hipótese legal
    para o tratamento de dados pessoais de crianças………………………………………………………………………9
    3.2 Interpretação nº 2 – aplicação exclusiva das hipóteses legais previstas no art. 11 da LGPD
    para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes………………………………………………16
    3.3 Interpretação nº 3 – possibilidade de aplicação das hipóteses legais previstas nos arts. 7º e
    11 da LGPD………………………………………………………………………………………………………………………….19
  3. CONCLUSÃO……………………………………………………………………………………………………………….21
    REFERÊNCIAS …………………………………………………………………………………………………………………23
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    1 INTRODUÇÃO
  4. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD, Lei nº 13.709/2018) previu seção específica
    para o tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes. Em sintonia com o arcabouço
    jurídico-normativo nacional e internacional, o art. 14, caput da Lei, explicita que o tratamento dos
    dados desses titulares deverá ser realizado em seu melhor interesse, nos termos da legislação
    pertinente.
  5. Por sua vez, o § 1º do art. 14 estabelece que “o tratamento de dados pessoais de crianças
    deverá ser realizado com o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais
    ou pelo responsável legal.” Já o § 3º do mesmo artigo prevê que a coleta de dados de crianças poderá
    ser realizada sem o consentimento referido no § 1º quando for necessário para contatar os pais ou
    responsável legal ou para a proteção da criança.
  6. A interpretação desses dispositivos é objeto de acentuada controvérsia entre acadêmicos,
    profissionais da área e representantes da sociedade civil, o que, na prática, se configura como uma
    situação de incerteza jurídica para os agentes de tratamento, nomeadamente em razão da indefinição
    sobre quais hipóteses legais autorizam o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes.
  7. Por exemplo, entre as dúvidas endereçadas à ANPD nos últimos meses, podem ser
    mencionados casos de órgãos públicos que manifestaram posições divergentes sobre o tema. De um
    lado, aqueles que entendem que o consentimento seria a única hipótese legal apropriada para o
    tratamento de dados pessoais de crianças. De outro lado, aqueles que sustentam que outras hipóteses
    legais previstas nos arts. 7º e 11 da LGPD, tais como execução de políticas públicas e realização de
    estudos por órgãos de pesquisa, poderiam legitimamente amparar, entre outras operações de
    tratamento, o compartilhamento de dados pessoais entre órgãos públicos ou entre estes e uma
    universidade pública.
  8. É possível identificar, ainda, uma terceira interpretação relevante sobre o tema. Segundo essa
    interpretação, defendida por alguns atores sociais, os dados de crianças e adolescentes seriam
    equiparados a dados sensíveis. Como consequência, nesses casos, o tratamento somente poderia
    ocorrer com base nas hipóteses legais previstas no art. 11 da LGPD.
  9. Considerando essas divergências de interpretação, e as suas relevantes implicações práticas,
    o presente estudo tem por objetivo analisar as possíveis hipóteses legais aplicáveis ao tratamento
    de dados pessoais de crianças e adolescentes. Com isso, pretende-se fornecer insumos para subsidiar
    a atuação da ANPD em torno do tema, em particular no que tange à expedição de orientações que
    possam conferir segurança jurídica aos agentes de tratamento ao realizar o tratamento de dados
    pessoais dos referidos titulares, considerando a previsão constante no art. 55-J, inciso XX da LGPD.
  10. O estudo está dividido em quatro partes. Na primeira, será analisada a aplicação do
    consentimento dos pais ou responsável legal, conforme art. 14, §1º da LGPD, como única hipótese
    legal para o tratamento de dados pessoais de crianças. Na segunda parte, analisa-se a aplicação
    exclusiva das hipóteses legais previstas no art. 11 ao tratamento de dados pessoais de crianças e
    adolescentes, haja vista a sua possível equiparação a dados sensíveis. Na terceira parte, discute-se a
    aplicação das hipóteses legais previstas nos arts. 7º e 11 da LGPD ao tratamento de dados de crianças
    e adolescentes, desde que observado o princípio do melhor interesse. Por fim, na conclusão do
    presente estudo, sugere-se proposta de enunciado, para fins de fixação de interpretação sobre o tema
    em questão.
  11. Cumpre enfatizar que não constitui objeto do presente estudo a análise sobre as relações
    entre a LGPD e o regime de capacidade civil previsto no Código Civil. Da mesma forma, não se
    pretende abordar as possíveis técnicas para aferição do consentimento ou para a aferição de idade
    de usuários de aplicações de internet. Embora relevantes para o tratamento de dados pessoais de
    crianças e adolescentes, a discussão sobre esses temas correlatos demanda uma abordagem mais
    ampla, levando em consideração outros contextos e aspectos técnicos e jurídicos, que vão além dos
    propósitos deste estudo.
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  12. Em suma, o estudo não pretende ser exaustivo, seja em razão de limitações de escopo e de
    tempo, seja por se tratar de uma versão preliminar, que busca promover a discussão pública e coletar
    contribuições da sociedade, a fim de, em um momento posterior, estabelecer interpretações e
    orientações mais conclusivas.
  13. A disponibilização pública da versão preliminar deste estudo, no formato de texto para
    discussão, atende às competências legais da ANPD para “promover e elaborar estudos sobre as
    práticas nacionais e internacionais de proteção de dados pessoais e privacidade” e para “ouvir os
    agentes de tratamento e a sociedade em matérias de interesse relevante” (art. 55-J, VII e XIV, LGPD).
  14. ASPECTOS GERAIS
  15. O presente estudo versa sobre o tratamento de dados cujos titulares são crianças e
    adolescentes, isto é, sujeitos à Doutrina da Proteção Integral,
    1 segundo a qual “toda criança e
    adolescente são merecedores de direitos próprios e especiais que, em razão de sua condição
    específica de pessoas em desenvolvimento, estão a necessitar de uma proteção especializada,
    diferenciada e integral”,
    2 e, portanto, carecedores de proteção e cuidados especiais, razão pela qual,
    revela-se imprescindível que o tratamento destes dados seja realizado em seu melhor interesse,
    como preceituado pelo art. 14 da LGPD.
  16. No que tange ao tema de proteção de dados pessoais e privacidade, vale ressaltar que as
    informações pessoais de crianças e adolescentes não necessariamente se restringem àquelas que
    são conscientemente compartilhadas por eles, mas abrangem também aquelas que podem ser
    obtidas a partir de suas atividades no ambiente digital ou mesmo a partir da exposição que seus pais
    e amigos possam realizar dos dados desse grupo.
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  17. Atenta-se para o fato de que muitos desses indivíduos têm sido inseridos no ambiente digital
    antes mesmo de nascerem,
    4 por exemplo, por meio de aplicativos desenvolvidos para gestantes, de
    modo que precocemente seus dados pessoais podem ser tratados por agentes de tratamento. Assim,
    diferentemente de gerações anteriores, com o aumento do poder computacional, associado à era do
    Big Data, novas tecnologias permitem a coleta, o armazenamento e a análise de uma massiva
    quantidade de dados em tempo real,5 de forma que se fala em uma possível “datificação” da infância
    1 “Doutrina formada por um conjunto de enunciados lógicos, que exprimem um valor ético maior,
    organizada por meio de normas interdependentes que reconhecem criança e adolescente como sujeitos de
    direito”. Vide, AMIN, André Rodrigues. Doutrina da proteção integral. In: MACIEL, Kátia (coord.). Curso de
    Direito da Criança e do Adolescente: Aspectos Teóricos e Práticos. – 4 ed. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 2010. 2 VERONESE, Josiane Rose Petry. A Proteção Integral da criança e do adolescente no Direito brasileiro.
    Revista do Tribunal Superior do Trabalho, Brasília, vol. 79, nº 1, 2013, p. 38-54. Disponível em:
    https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/38644/003_veronese.pdf. Acesso em: 19 jul.2022. 3 ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Children in the Digital
    Environment Revised Typology of Risks. n.302, 2021. Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/scienceand-technology/children-in-the-digital-environment_9b8f222e-en. Acesso: 19 jul. 2022. 4 BARASSI, Veronica. BabyVeillance? Expecting Parents, Online Surveillance and the Cultural Specificity of
    Pregnancy Apps. Social Media + Society, 2017. Disponível em:
    https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/2056305117707188https://www.msn.com/pt-br/?pc=ACTE.
    Acesso em: 19 jul. 2022. 5 SCHÖNBERGER, Viktor Mayer; CUKIER, Kenneth. Big Data: A Revolution That Will Transform How We
    Live, Work, and Think. American Journal of Epidemiology, v. 179, n. 9, 2014, p. 1143-1144.
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    e nos riscos de privacidade,
    6 como por exemplo, eventual exploração comercial, uso indevido de tais
    dados, perfilamento e discriminação de crianças e adolescentes.7
  18. Ainda que parte desses titulares, principalmente os adolescentes, esteja mais ciente quanto à
    utilização comercial de seus “rastros digitais”, para que haja efetiva compreensão da utilização
    desses dados inferidos e do seu valor para as empresas é necessário o conhecimento acerca dos
    modelos de negócios e contextos institucionais e comerciais em que estas se inserem.8 Por sua vez,
    especialmente os mais novos, não se encontram suficientemente alfabetizados ou passíveis de
    compreender as implicações do ambiente digital, principalmente no que diz respeito à privacidade e
    ao uso de dados pessoais.9
  19. Destaca-se, inclusive, que mesmo adultos não possuem total compreensão do que é feito com
    os seus dados ou não entendem sobre o quê, de fato, estão autorizando ou consentindo. Em diversas
    situações, os pais ou responsáveis legais não possuem conhecimento tecnológico adequado ou muito
    provavelmente possuem menos experiência que as crianças e os adolescentes. Por esta razão, em
    muitos casos, os termos de uso de plataformas digitais são aceitos sem serem lidos. Assim, os pais
    passam a consentir com a coleta de dados das crianças e dos adolescentes da mesma forma que
    consentem com a coleta de seus próprios dados, sem entenderem a real finalidade e o uso desses
    dados.
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  20. Nesse contexto, no qual a sociedade encontra-se inserida em um ambiente cada vez mais
    digital sem, contudo, ter conhecimento e educação sobre medidas mínimas de segurança na internet
    e tratamento de dados pessoais, é primordial que seja promovida uma cultura voltada à proteção
    destes dados.
  21. Considerando, ainda, que segundo Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua em
    2018,
    11 havia aproximadamente 35,5 milhões de crianças, o que correspondia a 17,1 % da população
    brasileira e, ainda, que em 2020, segundo dados da pesquisa TIC Kids Online Brasil 12 , 89% da
    6 LUPTON, Deborah; WILLIAMSON Ben. The datafied child: The dataveillance of children and implications
    for their rights. New Media & Society, v. 19, n.5, 2017, p.780-794. Disponível em:
    https://core.ac.uk/download/pdf/77612283.pdf. Acesso em: 19 jul. 2022. 7
    […] “evitar que os dados das crianças e adolescentes acabem por funcionar como um meio de
    classificação dos futuros adultos pelas suas preferências e modos de vida, aprofundando uma postura
    discriminatória que dificulte ainda mais uma igualdade de oportunidades segundo as competências,
    habilidades reais e condições pessoais, seja para a contratação de um plano de saúde ou para buscar um
    emprego, por exemplo. Suas memórias digitais devem ser preservadas, para que não se transformem em
    condicionantes da vida adulta, comandadas pelo mercado.” Vide BROCHADO, Ana Carolina; RETTORE Anna
    Cristina de Carvalho. O princípio do melhor interesse no ambiente digital. In: LATERÇA, Priscilla Silva;
    FERNANDES, Elora; TEFFÉ, Chiara Spadaccini de; BRANCO, Sérgio (Coords.). Privacidade e Proteção de Dados
    de Crianças e Adolescentes. Rio de Janeiro: Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro; Obliq, 2021. 8 ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (OCDE). Children in the Digital
    Environment Revised Typology of Risks. n.302, 2021. Disponível em: https://www.oecd-ilibrary.org/scienceand-technology/children-in-the-digital-environment_9b8f222e-en. Acesso: 19 jul. 2022. 9
    Ibidem.
    10 YANDRA, B.F.F.; SILVA, A.C.A.; SANTOS, J.G. Lei Geral de Proteção de Dados e a tutela dos dados
    pessoais de crianças e adolescentes: a efetividade do consentimento dos pais ou responsáveis legais.
    Disponível em: https://revista.internetlab.org.br/lei-geral-de-protecao-de-dados-e-a-tutela-dos-dadospessoais-de-criancas-e-adolescentes-a-efetividade-do-consentimento-dos-pais-ou-responsaveis-legais/.
    Acesso em: 22 jul. 2022. 11 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Perfil das crianças do Brasil. Disponível em:
    https://educa.ibge.gov.br/criancas/brasil/2697-ie-ibge-educa/jovens/materias-especiais/20786-perfil-dascriancas-brasileiras.html. Acesso em 21 jun. 2022. 12 COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL. Pesquisa sobre o uso da Internet por crianças e
    adolescentes no Brasil: TIC Kids Online Brasil 2020: edição COVID-19: metodologia adaptada – 1. ed. 2021.
    São Paulo: CGI.br. Disponível em:
    https://cetic.br/media/docs/publicacoes/2/20211125083634/tic_kids_online_2020_livro_eletronico.pdf.
    Acesso em: 21 jun. 2022.
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    população de 9 a 17 anos era usuária de Internet no Brasil, o que equivalia a 24,3 milhões de crianças
    e adolescentes conectados, ficam claros a importância e o impacto de fixação de interpretação, pela
    ANPD, sobre as hipóteses legais que podem ser utilizadas para o tratamento de dados pessoais de
    crianças e adolescentes.
  22. Neste sentido, em que pese a complexidade e o aspecto multidimensional das questões
    associadas ao tratamento de dados de crianças e adolescentes e, em particular, à proteção da
    infância no ambiente digital, a ausência de interpretação definitiva sobre o presente tema pode
    acarretar potenciais impactos negativos no que tange à proteção dos direitos de crianças e de
    adolescentes, em razão do manejo inadequado de hipóteses legais e princípios previstos na LGPD.
    Ainda, possível demora na fixação de interpretação traz riscos quanto à aplicação inconsistente da
    LGPD por diferentes agentes de tratamento públicos e privados, ensejando um cenário de
    insegurança jurídica.
  23. DAS POSSIBILIDADES DE INTERPRETAÇÃO
  24. Em relação ao tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes, a LGPD, em seu
    capítulo II, destina seção específica para o tema, da qual destacamos os seguintes dispositivos:
    Art. 14. O tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes deverá
    ser realizado em seu melhor interesse, nos termos deste artigo e da legislação
    pertinente.
    § 1º O tratamento de dados pessoais de crianças deverá ser realizado com o
    consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo
    responsável legal.
    […]
    § 3º Poderão ser coletados dados pessoais de crianças sem o consentimento a
    que se refere o § 1º deste artigo quando a coleta for necessária para contatar os
    pais ou o responsável legal, utilizados uma única vez e sem armazenamento, ou
    para sua proteção, e em nenhum caso poderão ser repassados a terceiro sem o
    consentimento de que trata o § 1º deste artigo. (grifo nosso)
  25. O art. 14, caput, explicita que o tratamento dos dados desses titulares deverá ser realizado
    em seu melhor interesse, nos termos da legislação pertinente.
  26. Esse princípio foi adotado na Declaração dos Direitos da Criança em 1959. Na mesma linha, a
    Convenção Internacional dos Direitos da Criança,
    13 aprovada pela Organização das Nações Unidas em
    1989, a qual foi ratificada pelo Brasil em 1990 por meio do Decreto nº 99.710, de 21 de novembro
    de 1990, consignou que “todas as ações relativas à criança, sejam elas levadas a efeito por
    instituições públicas ou privadas de assistência social, tribunais, autoridades administrativas ou
    órgãos legislativos, devem considerar primordialmente o melhor interesse da criança.”
    13 FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA (UNICEF). Convenção sobre os Direitos da Criança.
    Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca. Acesso em: 05 jul.
    2022.
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  27. Ainda que não haja menção expressa ao referido princípio na Constituição Federal14 e no
    Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA),
    15 é inegável que tais diplomas inauguraram a fase da
    proteção integral e a superação da Doutrina da Situação Irregular. 16 Ainda quanto ao melhor
    interesse, o Comentário Geral n° 14, de 2013, do Comitê dos Direitos da Criança da ONU, afirma que
    se trata de um conceito com natureza tripla, podendo ser considerado um direito subjetivo, um
    princípio jurídico fundamentalmente interpretativo e uma regra processual:
    a) Um direito substantivo: o direito das crianças a que o seu interesse superior
    seja avaliado e constitua uma consideração primacial quando estejam diferentes
    interesses em consideração, bem como a garantia de que este direito será aplicado
    sempre que se tenha de tomar uma decisão que afete uma criança, um grupo de
    crianças ou as crianças em geral.
    b) Um princípio jurídico fundamentalmente interpretativo: se uma disposição
    jurídica estiver aberta a mais do que uma interpretação, deve ser escolhida a
    interpretação que efetivamente melhor satisfaça o interesse superior da criança.
    Os direitos consagrados na Convenção e nos seus Protocolos Facultativos
    estabelecem o quadro de interpretação.
    c) Uma regra processual: sempre que é tomada uma decisão que afeta uma
    determinada criança, um grupo de crianças ou as crianças em geral, o processo de
    tomada de decisão deve incluir uma avaliação do possível impacto (positivo ou
    negativo) da decisão sobre a criança ou das crianças envolvidas. A avaliação e a
    determinação do interesse superior da criança requerem garantias processuais.
    Para além disso, a fundamentação de uma decisão deve indicar que direito foi
    explicitamente tido em conta. A este respeito, os Estados-partes deverão explicar
    como é que o direito foi respeitado na decisão, ou seja, o que foi considerado como
    sendo do interesse superior da criança; em que critérios se baseia a decisão; e
    como se procedeu à ponderação do interesse superior da criança face a outras
    considerações, sejam estas questões gerais de políticas ou casos individuais. 17
  28. Na mesma linha, o Comentário Geral n° 25, de 2021, do Comitê dos Direitos da
    Criança, ao tratar sobre os direitos das crianças em relação ao ambiente digital,
    prevê que:
    14 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem,
    com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à
    cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo
    de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 15 Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com
    absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
    esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e
    comunitária.
    Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:
    a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;
    b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;
    c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;
    d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à
    juventude. 16 Doutrina vigente no Código de Menores de 1927 e 1979, que se destinava à “infância em situação
    irregular”. Segundo essa doutrina, o Estado somente reconhecia como seu dever e responsabilidade o cuidado
    com o menor quando esse necessitava de amparo ou tutela nas situações caracterizadas por ato infracional ou
    omissão por parte da família. Mais informações em: BEZERRA, Saulo de Castro. Estatuto da Criança e do
    Adolescente: Marco da Proteção Integral. In: Violência Faz Mal à Saúde. DE LIMA, Cláudia Araújo (Coord.), et
    al. – Brasília: Ministério da Saúde, 2006. 17 UNITED NATIONS. General Comment No. 14 (2013) on the right of the child to have his or her best
    interests taken as a primary consideration. Disponível em:
    https://www2.ohchr.org/english/bodies/crc/docs/gc/crc_c_gc_14_eng.pdf. Acesso em: 29 jun. 2022.
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  29. O melhor interesse da criança constitui um conceito dinâmico que exige
    uma avaliação adequada em cada contexto específico. O ambiente digital não foi
    originalmente concebido para crianças e, no entanto, desempenha um papel
    importante nas vidas destas. Os Estados Partes devem garantir que, em todas as
    ações relativas à disponibilização, regulação, design, gestão e utilização do
    ambiente digital, o melhor interesse da criança constitui uma consideração
    primordial.
  30. Os Estados Partes devem envolver em tais ações os organismos nacionais
    e locais que supervisionam a realização dos direitos da criança. Ao considerar o
    interesse superior da criança, devem ter em conta todos os direitos da criança,
    incluindo os seus direitos a procurar, receber e partilhar informação, a ser
    protegidas de danos e a que as suas opiniões sejam devidamente consideradas, e
    garantir transparência no processo de avaliação do melhor interesse da criança e
    critérios aplicados.18
  31. Em acréscimo à determinação de que seja observado o princípio do melhor interesse, o §1º
    do art. 14 estabelece que o tratamento de dados pessoais de crianças deve ser realizado com o
    consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal.
    Este dispositivo suscita dúvida quanto à aplicabilidade das demais hipóteses legais previstas nos arts.
    7º e 11 da LGPD a esse tipo de tratamento, a exemplo de realização de estudos por órgãos de
    pesquisa, execução de contrato, proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro
    e interesse legítimo.
  32. Ademais, ao delinear os contornos do consentimento, o §1º do art. 14 se refere apenas ao
    tratamento de “crianças”, enquanto o caput do mesmo artigo também se refere aos “adolescentes”,
    o que pode suscitar dúvida quanto à sua abrangência e às suas implicações.
    19 Por sua vez, o §3º do
    art. 14 autoriza a coleta de dados pessoais de crianças sem o consentimento previsto no §1º em
    apenas duas hipóteses: (i) quando for necessário para contatar os pais ou o responsável legal; ou (ii)
    para a proteção da criança. Em qualquer caso, é vedado o repasse dos dados a terceiros sem o
    consentimento previsto no §1º do art. 14.
  33. Outra questão que pode ser suscitada diz respeito à natureza dos dados pessoais de crianças
    e adolescentes. Dada a vulnerabilidade desses sujeitos e a proteção especial estabelecida no
    ordenamento jurídico, cujo principal norte é o princípio do melhor interesse, há determinada linha
    de pensamento que sustenta a possibilidade de equiparar os dados de crianças e adolescentes a
    dados sensíveis. 20 Segundo esse raciocínio, a própria exigência do art. 14, § 1º, de que o
    consentimento seja dado de forma específica e em destaque seria uma decorrência dessa
    equiparação, haja vista a previsão similar do art. 11, inciso I. A principal consequência dessa
    interpretação seria a de limitar o tratamento de dados de crianças e adolescentes às hipóteses legais
    previstas no art. 11 da LGPD.
    18 UNITED NATIONS. General comment No. 25 (2021) on children’s rights in relation to the digital
    environment. Disponível em: https://www.ohchr.org/en/documents/general-comments-andrecommendations/general-comment-no-25-2021-childrens-rights-relation. Acesso em: 05 ago. 2022. 19 Para fins deste estudo, consideraremos que o §1º do art. 14 é aplicável apenas ao tratamento de dados
    pessoais de crianças, conforme decorre de sua redação expressa. Tal entendimento, vale enfatizar, não implica
    qualquer conclusão acerca da forma de obtenção do consentimento de adolescentes ou, ainda, das relações
    entre a LGPD e o regime de capacidade civil estabelecido no Código Civil. Como mencionado na Introdução, a
    análise destas questões não constitui objeto do presente estudo, que se limita a analisar as hipóteses legais
    aplicáveis ao tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. 20 HENRIQUES, Isabella; PITA, Marina; HARTUNG, Pedro. A proteção de dados pessoais de crianças e
    adolescentes. In: DONEDA, Danilo et.al (coords). Tratado de Proteção de Dados Pessoais – Rio de Janeiro:
    Forense, 2021.
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  34. Diante dessas determinações legais e das dúvidas correlatas no que tange às hipóteses legais
    aplicáveis ao tratamento de dados pessoais de crianças e de adolescentes, podem ser identificadas
    ao menos três interpretações relevantes, quais sejam:
    (i) a aplicação do consentimento dos pais ou responsável legal, conforme art. 14, §1º da
    LGPD, como única hipótese legal para o tratamento de dados pessoais de crianças;
    (ii) a aplicação exclusiva das hipóteses legais previstas no art. 11 ao tratamento de dados
    pessoais de crianças e adolescentes, haja vista a sua equiparação aos dados sensíveis; e
    (iii) a aplicação das hipóteses legais previstas nos arts. 7º e 11 da LGPD ao tratamento de
    dados de crianças e adolescentes, desde que observado o princípio do melhor interesse.
    Figura 1: Possíveis interpretações
    Fonte: Elaboração própria (Coordenação-Geral de Normatização)
  35. Essas interpretações serão objeto de análise das próximas seções.
    3.1 Interpretação nº 1 – aplicação do consentimento (art.14, §1º) como a única hipótese legal
    para o tratamento de dados pessoais de crianças.
  36. Uma possível interpretação restritiva do art. 14 conduziria à conclusão de que a única hipótese
    legal aplicável ao tratamento de dados pessoais de crianças seria a do consentimento específico e
    em destaque, dado por pelo menos um dos pais ou pelo responsável legal. A partir dessa ótica, o
    consentimento dos pais ou responsável seria dispensado apenas quanto às duas hipóteses previstas
    no art. 14, §3º, isto é, em caso de coleta de dados para contatar os pais ou o responsável legal, ou
    ainda, para a sua proteção, e em nenhum caso poderiam os dados ser repassados a terceiro sem o
    consentimento em questão.
    Anexo Estudo Preliminar (3615243) SEI 00261.001880/2022-84 / pg. 9
    ESTUDO PRELIMINAR
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  37. Nessa linha interpretativa, todo e qualquer tratamento de dados pessoais de crianças ficaria
    condicionado à obtenção do consentimento específico e em destaque de pelo menos um dos pais ou
    pelo responsável legal. Esta interpretação seria válida mesmo nos casos em que, em tese, seria
    aplicável outra hipótese legal, como para cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo
    controlador, para execução de políticas públicas previstas em lei e regulamentos, para realização de
    estudos por órgão de pesquisa ou até mesmo para a proteção da vida ou da incolumidade física do
    titular ou tutela da saúde.
  38. Ao extrair a definição de consentimento nos termos do art. 5º, XII da LGPD, tem-se que este
    consiste em: “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o
    tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada”. Assim, entende-se que a
    referência ao consentimento livre indica que o titular pode escolher entre aceitar ou recusar a
    realização do tratamento pretendido, sem que isso implique consequências negativas ou
    intervenções do controlador que possam viciar ou prejudicar sua manifestação de vontade. Além
    disso, considera-se que o consentimento é informado quando todas as informações necessárias para
    uma avaliação consciente pelo titular de dados forem apresentadas pelo agente de tratamento.
    Ainda, será considerado inequívoco quando houver uma manifestação clara de vontade do titular de
    dados, a qual não poderá ser inferida ou obtida de forma tácita ou a partir de uma omissão deste.21
  39. Quanto a esse ponto, vale observar que, na discussão sobre o PL nº 4060/2012, o qual foi
    transformado posteriormente na LGPD, um Parecer da Comissão Especial defendeu aparentemente
    um caráter mais restritivo ao tratamento de dados pessoais de crianças, de modo que esse somente
    poderia ocorrer mediante o consentimento específico e em destaque dado por pelo menos um dos
    pais ou responsável legal:
    Na questão do tratamento de dados de crianças e adolescentes, o Projeto
    original apenas determina, de maneira superficial, que a atividade deva se dar “no
    seu melhor interesse, nos termos da legislação pertinente”. Entendemos que esse
    comando não acrescenta nenhuma proteção especial para esse vulnerável grupo de
    pessoas. Não é o que ocorre em outros países. Nos EUA, como já foi dito, o Children’s
    Online Privacy Protection Act, de 1998, conhecida como Lei COPPA, possui
    importante contribuição, a qual utilizamos como inspiração para a questão.
    Decidimos incluir, como regra geral, ser ilegal a coleta de dados pessoais de crianças,
    abaixo de 12 anos de idade, sem o consentimento específico e em destaque dado
    por pelo menos um dos pais ou responsável legal. Nesses casos, o responsável deve
    realizar todos os esforços razoáveis para verificar que esse consentimento foi dado
    efetivamente pelo responsável pela criança, levando em consideração as
    tecnologias disponíveis. A exceção é quando a coleta seja necessária para contatar
    os pais ou responsável legal. 22 (grifo nosso)
  40. Percebe-se, pois, que tal interpretação buscou atribuir um nível extra de proteção ao
    tratamento de dados pessoais desses titulares, os quais carecem de proteção e cuidados especiais,
    em virtude de sua falta de maturidade física e mental.
  41. Fica claro, também, que a inclusão da regra do consentimento, prevista no atual §1º do art.
    14, tinha por objetivo a proteção tão somente de crianças, excluídos, desta regra específica, os
    adolescentes, o que, de fato, decorre da própria redação do dispositivo legal. Por outro lado, o trecho
    do parecer citado menciona apenas uma única exceção à regra do consentimento, qual seja, a
    21 AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS. Guia Orientativo – Aplicação da Lei Geral de
    Proteção de Dados Pessoais (LGPD) por agentes de tratamento no contexto eleitoral. 2021. Disponível em:
    https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-e-publicacoes/guia_lgpd_final.pdf. Acesso em: 17 jul. 2022. 22 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Comissão Especial Destinada a Proferir Parecer ao Projeto de Lei Nº 4060,
    de 2012. Disponível em:
    https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegracodteor=1663305&filename=. Acesso em
    05 jul. 2022.
    Anexo Estudo Preliminar (3615243) SEI 00261.001880/2022-84 / pg. 10
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    eventual necessidade de contatar os pais ou o responsável legal. No entanto, como visto, a versão
    final da LGPD, em seu art. 14, § 3º, incluiu mais uma exceção, de caráter mais amplo, segundo a qual
    a coleta de dados de crianças poderá ser realizada sem o consentimento quando ela for necessária
    para a sua proteção.
  42. Nessa linha, é necessário refletir acerca do consentimento parental como única hipótese legal
    para o tratamento de dados pessoais de crianças e se, de fato, o consentimento se configura como
    mecanismo adequado para assegurar, em todos os casos, a proteção ao seu melhor interesse. A esse
    respeito, deve-se considerar que, em certas situações, a concentração de toda a proteção à criança
    na obtenção do consentimento pode provocar uma ilusória ideia de controle, dada a assimetria de
    informação entre controladores e titulares, como se percebe, por exemplo, em relação às políticas
    de privacidade, que muitas vezes não são de fácil compreensão pela população e às vezes sequer são
    lidas.
    23
  43. Ademais, a restrição à referida hipótese legal poderia resultar na atribuição de um ônus
    excessivo para os pais, como se estes fossem os únicos responsáveis por avaliar se o tratamento de
    dados atende ao melhor interesse da criança.
    24 Tal situação poderia levar, ainda, à chamada fadiga
    do consentimento,
    25 em razão das constantes requisições que seriam realizadas aos responsáveis das
    crianças, o que reforça o questionamento quanto à efetividade do consentimento parental como
    única hipótese legal aplicável ao tratamento de dados pessoais nesses casos e, especialmente, como
    mecanismo adequado para assegurar, em qualquer caso, a proteção ao princípio do melhor
    interesse.
  44. Da mesma forma, tal interpretação poderia levar os pais ou responsável legal a serem
    compelidos a consentir com o tratamento de dados pessoais ou, ainda, a fornecerem um
    consentimento “de fachada”. É o que ocorreria em hipóteses como as de tratamento realizado com
    base em obrigação legal ou quando necessário para a proteção da vida do titular ou de terceiros, nas
    quais inexistem condições efetivas de fornecer ao titular uma alternativa real e satisfatória para
    escolher entre realizar ou não o tratamento. No Guia de Tratamento de Dados Pessoais pelo Poder
    Público, publicado pela ANPD, foi consignada menção nesse sentido:
    Diante dessas características, em muitas ocasiões, o consentimento não será a
    base legal mais apropriada para o tratamento de dados pessoais pelo Poder
    Público, notadamente quando o tratamento for necessário para o cumprimento
    de obrigações e atribuições legais. Nesses casos, o órgão ou a entidade exerce
    prerrogativas estatais típicas, que se impõem sobre os titulares em uma relação de
    desbalanceamento de forças, na qual o cidadão não possui condições efetivas de
    se manifestar livremente sobre o uso de seus dados pessoais.26 (grifo nosso)
    23 MACENAITE Milda; KOSTA Eleni. Consent for processing children’s personal data in the EU: following in
    US footsteps? Information & Communications Technology Law, v.26, n. 2, 2017, p. 146-197. Disponível em:
    https://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/13600834.2017.1321096?needAccess=true. Acesso em: 05 jul.
    2022.24 “É também muito importante destacar que as famílias e as próprias crianças não são as únicas
    responsáveis pela sua própria segurança e pleno desenvolvimento e que a relação entre os usuários e as
    empresas de tecnologia não se dá em nenhuma medida de forma horizontal.” INSTITUTO ALANA;
    INTERNETLAB. O direito das crianças à privacidade: obstáculos e agendas de proteção à privacidade e ao
    desenvolvimento da autodeterminação informacional das crianças no Brasil. Contribuição conjunta para o
    relator especial sobre o direito à privacidade da ONU. São Paulo, 2020, p. 29. 25 Ibidem. 26 AUTORIDADE NACIONAL DE PROTEÇÃO DE DADOS. Guia Tratamento de Dados pelo Poder Público.
    Disponível em: https://www.gov.br/anpd/pt-br/documentos-epublicacoes/guia_tratamento_de_dados_pessoais_pelo_poder_publico___defeso_eleitoral.pdf. Acesso em 06
    jul. 2022.
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  45. Além disso, caso adotada, a interpretação do consentimento como única hipótese legal válida
    para a coleta de dados de crianças poderia ensejar uma hierarquização de hipóteses legais, o que
    não é preconizado pela LGPD.
  46. Vale enfatizar que, conforme o art. 14 da LGPD, o tratamento de dados pessoais de crianças e
    adolescentes deverá considerar sempre o seu melhor interesse, o qual, eventualmente, poderá até
    mesmo contrariar os interesses dos pais ou do responsável legal – por exemplo, caso os pais se
    recusem a fornecer o consentimento para o tratamento de dados necessários para o registro das
    crianças e emissão de certidão de nascimento, que é um direito fundamental de todo cidadão. Nesse
    exemplo, verifica-se que a eventual não concessão do consentimento iria de encontro ao melhor
    interesse da criança, em nítida violação aos seus direitos fundamentais.
  47. Nessa linha, interessa observar que o Comentário Geral nº 25 sobre os direitos das crianças
    em relação ao ambiente digital, do Comitê dos Direitos da Criança da ONU reconhece, em diferentes
    trechos, esse potencial antagonismo entre os interesses das crianças e o de seus pais ou
    responsáveis, inclusive expressamente desaconselhando o uso do consentimento em determinados
    casos:
  48. (…) As ameaças à privacidade das crianças (…) também podem surgir das
    próprias atividades das crianças e das atividades de membros da família, colegas
    ou outros, por exemplo, por mães e pais que compartilham fotografias online ou
    por um estranho que compartilha informações sobre uma criança.
    (…)
  49. Estados Partes devem assegurar (…) o direito das crianças de retirar seu
    consentimento e se opor ao processamento de dados pessoais quando o
    controlador de dados não demonstrar motivos legítimos e superiores para o
    processamento.
    (…)
  50. Provedores de serviços de prevenção ou aconselhamento a crianças no
    ambiente digital devem ser isentos de qualquer exigência para que uma criança
    usuária obtenha o consentimento parental a fim de ter acesso a esses serviços.
    Esses serviços devem ser mantidos com altos padrões de privacidade e proteção da
    criança.27
  51. O Comentário Geral nº 25 apresenta, ainda, quatro princípios gerais que devem servir de guia
    para a determinação de medidas necessárias para garantir a realização dos direitos da criança no
    ambiente digital, quais sejam, não discriminação, melhor interesse, direito à vida, sobrevivência e
    desenvolvimento, e respeito às opiniões e ao desenvolvimento progressivo das capacidades das
    crianças e dos adolescentes.
  52. A interpretação restritiva poderia trazer dificuldades ou até impedir o acesso pela criança e pelo
    adolescente à internet em igualdade de condições, podendo promover exclusão digital. Assim, o
    princípio da não-discriminação não estaria sendo observado, uma vez que o Estado tem o dever de
    garantir às crianças e aos adolescentes o acesso livre e seguro em locais públicos específicos e investir
    em políticas e programas que apoiem o acesso economicamente viável de todas as crianças às
    tecnologias digitais em contextos educativos, comunitários e domésticos, bem como a utilização
    informada de tais tecnologias.
  53. Outras formas de discriminação podem surgir quando, por exemplo, pais ou responsáveis
    legais consentirem indiscriminadamente a qualquer tratamento de dados pessoais de crianças e
    adolescentes, principalmente nos casos em que os responsáveis não possuem a desejada cultura
    comportamental digital. Em decorrência disto, processos podem ser automatizados e definirem
    27 INSTITUTO ALANA; MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO. Comentário Geral N° 25 (2021)
    sobre os direitos das crianças em relação ao ambiente digital – Versão Comentada.2022. Disponível em:
    https://alana.org.br/wp-content/uploads/2022/04/CG-25.pdf. Acesso em: 05 ago. 2022.
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    perfis das crianças e dos adolescentes, podendo acarretar resultados tendenciosos ou obtidos de
    forma injusta.
  54. Por diversas razões, as crianças enfrentam particulares desafios no acesso à justiça em relação
    ao ambiente digital. Assim, os Estados devem garantir que são amplamente conhecidos e estão à
    pronta disposição de todas as crianças e seus responsáveis mecanismos de recurso adequados e
    eficazes de natureza judicial, bem como para violações dos direitos das crianças em relação ao
    ambiente digital. Cabe ao Estado, por exemplo, estabelecer mecanismos de apoio às crianças vítimas
    de violência e, para tanto, poderia haver necessidade de tratamento de seus dados pessoais. No
    entanto, para os casos em que os agressores sejam os próprios pais ou responsáveis, o
    consentimento para tratar e identificar as crianças vítimas poderia dificultar ou impedir a ação
    protetiva do Estado.
  55. Ademais, devem ser respeitadas “as capacidades evolutivas das crianças e dos adolescentes,
    enquanto princípio habilitador do processo de aquisição gradual de competências, compreensão e
    autonomia”, buscando-se, assim um equilíbrio entre estas considerações e a importância do exercício
    dos direitos das crianças em um ambiente apoiado, bem como as diversas experiências e
    circunstâncias individuais.28
  56. Em resumo do exposto, verifica-se que a interpretação de que o tratamento de dados de
    crianças somente pode ser realizado com base no consentimento dos pais ou do responsável legal
    apresenta uma série de limitações jurídicas e dificuldades de aplicação prática. Entre essas, cabe
    destacar o fato de que concentrar toda a proteção a esses sujeitos vulneráveis na hipótese legal do
    consentimento levaria a uma ilusória ideia de controle, que poderia, em muitas situações, implicar a
    violação de direitos fundamentais de crianças.
  57. Com efeito, a LGPD é expressa no sentido de que o princípio geral a ser observado, conforme
    o caput do art. 14, é o do melhor interesse da criança e do adolescente, o qual não se confunde e
    não pode ser limitado à ideia do consentimento. Tanto é assim que a lei autoriza a coleta de dados
    pessoais de crianças sem o consentimento dos pais ou do responsável legal quando for necessário
    para a sua proteção, conforme expressamente consignado no § 3º do art. 14.
  58. A reforçar essa ideia, manifesto produzido em 2021 pela UNICEF sobre Governança de Dados
    de Crianças, a partir de consultas públicas e contribuições de especialistas, chama atenção para a
    insuficiência da ideia de consentimento como mecanismo apto a proteger os direitos das crianças:

Interpretações restritivas, que fazem a proteção de dados de crianças
equivaler ao “consentimento para o tratamento de dados”, desoneram Estados,
empresas e outras organizações da responsabilidade pelo uso prejudicial de dados
pessoais e violações de privacidade. Há um desequilíbrio de poder entre o esforço
dos coletores de dados para capturar maiores quantidades de dados e a capacidade
das famílias e crianças de se protegerem em um mundo digital cada vez mais
complexo.29 (tradução livre, grifos no original)

  1. A título de comparação, menciona-se que no Regulamento Geral de Proteção de Dados
    (RGPD) da União Europeia o consentimento parental não consiste na única hipótese legal possível
    para tratar dados de tais titulares. Quanto a esse ponto, a Autoridade de Proteção de Dados do Reino
    Unido (Information Comissioner’s Office – ICO), ao publicar o guia “Children and the GDPR”, destaca
    28 NAÇÕES UNIDAS. Comentário geral n.º 25 (2021) do Comitê do dos Direitos da Criança sobre os
    direitos das crianças em relação ao ambiente digital. Disponível em:
    https://gddc.ministeriopublico.pt/sites/default/files/documentos/pdf/crc-cg25-pt.pdf. Acesso em: 05 ago.
    2022.29 UNITED NATIONS INTERNATIONAL CHILDREN‘S EMERGENCY FUND – UNICEF. The Case for Better
    Governance of Children’s Data: A Manifesto. 2021. Disponível em:
    https://www.unicef.org/globalinsight/media/1741/file/UNICEF%20Global%20Insight%20Data%20Governance
    %20Manifesto.pdf. Acesso em: 05 ago. 2022
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    que outras hipóteses legais podem ser mais apropriadas para garantia do melhor interesse das
    crianças, sendo o consentimento apenas uma das hipóteses aplicáveis.30
  2. Vale enfatizar que se reconhece aqui a importância do consentimento enquanto medida
    protetiva essencial, em diversos contextos, para a proteção dos direitos e interesses de crianças e
    adolescentes, de modo que a obtenção do consentimento livre, informado e inequívoco deve ser
    estimulada, sempre que cabível no caso e adequado ao melhor interesse da criança e do
    adolescente. Por isso, a identificação de limitações ao uso dessa hipótese legal não significa que os
    dados pessoais de crianças e de adolescentes podem ser tratados sem o devido cuidado. De forma
    diversa, entende-se que, justamente em nome dessa maior proteção, é que é imprescindível
    considerar as limitações fáticas e jurídicas que se impõem sobre uma estratégia regulatória
    baseada em uma solução única.
  3. Como bem apresentado em pesquisa do InternetLab e do Instituto Alana sobre o direito das
    crianças à privacidade, a proteção à infância, em particular no ambiente digital, demanda ações
    multidimensionais, que vão além do consentimento e pressupõem o engajamento de variados
    atores, incluindo pais, agentes de tratamento, organizações da sociedade civil e órgãos públicos:
    Em resumo, os padrões de consentimento e verificação de idade devem ser
    melhor equilibrados com outras diretivas, a fim de maximizar a promoção dos
    direitos das crianças no ambiente digital. Em outras palavras, a obtenção de
    consentimento e a verificação de idade do usuário não substituem uma estrutura
    regulatória robusta destinada a reduzir a exposição das crianças a todas as
    estratégias prejudiciais de coleta de dados, perfilamento e técnicas de
    microssegmentação. […] De fato, independentemente de qualquer tipo de
    consentimento ou padrão de verificação de idade, todos os atores da sociedade são
    obrigados a atuar para atender ao melhor interesse das crianças e, ainda, para dar
    atenção especial às crianças inseridas em contextos de vulnerabilidade.31
    30 “Você precisa ter uma base legal para tratar os dados pessoais de uma criança. O consentimento é uma
    possível base legal para o tratamento, mas não é a única opção. Algumas vezes, usar outra base legal é mais
    apropriado e oferece melhor proteção para a criança” (tradução livre). INFORMATION COMISSIONER’S OFFICE.
    Children and the GDPR. 2018. Disponível em: https://ico.org.uk/media/for-organisations/guide-to-thegeneral-data-protection-regulation-gdpr/children-and-the-gdpr-1-0.pdf. Acesso em: 5 ago. 2022. 31 INSTITUTO ALANA; INTERNETLAB. O direito das crianças à privacidade: obstáculos e agendas de
    proteção à privacidade e ao desenvolvimento da autodeterminação informacional das crianças no Brasil.
    Contribuição conjunta para o relator especial sobre o direito à privacidade da ONU. São Paulo, 2020, p. 30.
    Na mesma linha, veja-se trechos dos comentários elaborados pelo Instituto Alana e pelo Ministério Público do
    Estado de São Paulo ao Comentário Geral n. 25 sobre os direitos das crianças em relação ao ambiente digital:
    “Dessa forma, deve-se sempre colocar em perspectiva crítica o consentimento familiar como única forma de
    garantia da proteção da criança no ambiente digital. Com ou sem consentimento familiar, a criança, seus
    direitos e melhor interesse devem ser sempre protegidos com absoluta prioridade pelas empresas e pelo
    Estado” (p 67); e, ainda:” No regramento estabelecido pela LGPD, o consentimento é somente uma das bases
    legais para o tratamento de dados pessoais e é definido pela lei como a “manifestação livre, informada e
    inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade
    determinada”. A LGPD dispõe, ainda, que para o tratamento de dados pessoais de crianças é necessário o
    consentimento específico e em destaque dado pela mãe, pai ou responsável, por escrito e em destaque das
    demais cláusulas contratuais. Contudo, com ou sem o consentimento parental, o melhor interesse da criança
    (art. 14, caput da LGPD) deve estar sempre presente” (p. 160). INSTITUTO ALANA; MINISTÉRIO PÚBLICO DO
    ESTADO DE SÃO PAULO. Comentário Geral n° 25 (2021) sobre os direitos das crianças em relação ao
    ambiente digital – Versão Comentada.2022. Disponível em: https://alana.org.br/wpcontent/uploads/2022/04/CG-25.pdf. Acesso em: 05 ago. 2022.
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  4. Outrossim, revela-se salutar a implementação dos “direitos das crianças by design”32, a partir
    da adoção de padrões em ambientes digitais que considerem as necessidades de desenvolvimento
    destas e de adolescentes, de modo a possibilitar maior proteção aos dados pessoais desses titulares.
    Quanto a esse tema, vale mencionar que, ao editar o documento Age appropriate design: a code of
    practice for online services, 33 o ICO elencou quinze parâmetros a serem observados pelas
    organizações, entre os quais destacam-se: desativar dados de geolocalização por padrão, adotar
    configuração de alta privacidade por padrão, não utilizar técnicas de incentivo para que crianças
    forneçam mais dados pessoais e desenvolver aplicações adequadas à idade. Sinaliza-se, ainda, a
    importância do desenvolvimento de interfaces transparentes, simples e isentas de técnicas
    maliciosas, como dark patterns.34
  5. Portanto, a interpretação restritiva do art. 14 traduz-se no consentimento parental como
    sendo a única hipótese legal aplicável ao tratamento de dados pessoais de crianças. Em que pese tal
    interpretação buscar maior proteção a este grupo de vulneráveis, a sua aplicação poderá conflitar
    com o melhor interesse da criança, podendo, em última análise, dificultar ou inviabilizar o tratamento
    de dados pessoais em hipóteses legítimas, tais como a adoção de políticas públicas que os
    beneficiem, ou até mesmo para a tutela de sua saúde em procedimento realizado por profissionais
    de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária.
  6. A tabela a seguir sintetiza as discussões sobre o tema:
    Tabela 1: Argumentos favoráveis e contrários à aplicação do consentimento (art.14, §1º) como a
    única hipótese legal para o tratamento de dados pessoais de crianças
    Da aplicação do consentimento (art.14, §1º) como a única hipótese legal para o tratamento
    de dados pessoais de crianças.
    Argumentos favoráveis Argumentos contrários
  1. Disponível em: https://ico.org.uk/media/for-organisations/guide-to-data-protection/ico-codes-ofpractice/age-appropriate-design-a-code-of-practice-for-online-services-2-1.pdf. Acesso em: 05 ago. 2022. 34 ”Interfaces que visam influenciar o comportamento dos usuários e podem prejudicar sua capacidade de
    proteger efetivamente seus dados pessoais e fazer escolhas conscientes”. Vide EUROPEAN DATA PROTECTION
    BOARD. Guidelines 3/2022 on Dark patterns in social media platform interfaces: How to recognise and avoid
    them. 2022. Disponível em: https://edpb.europa.eu/system/files/2022-03/edpb_03-
    2022_guidelines_on_dark_patterns_in_social_media_platform_interfaces_en.pdf. Acesso em: 05 ago. 2022.
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  1. A segunda interpretação possível decorre da equiparação dos dados de crianças e adolescentes a
    dados pessoais sensíveis, a partir de uma leitura conjugada dos arts. 7º, 11 e 14. O art. 7º elenca as
    hipóteses legais para tratamento de dados pessoais, enquanto o art. 11 traz as hipóteses para
    tratamento de dados sensíveis e o art. 14 versa sobre tratamento de dados pessoais de crianças e
    adolescentes.
  2. Em primeira leitura, depreende-se que o art. 7º estabelece as hipóteses legais para o tratamento de
    dados pessoais, sendo mais ampla do que o rol trazido pelo art. 11, portanto de aplicação com caráter
    mais genérico. Por sua vez, o art. 11 dispõe sobre tratamento de dados pessoais sensíveis, com
    hipóteses mais restritivas, em função da sua natureza, não contemplando, por exemplo, as hipóteses
    legais de legítimo interesse do controlador ou terceiro, tampouco para execução de contrato e
    proteção do crédito.
  3. O inciso I do art. 11 determina que tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer
    quando o titular ou o seu responsável legal consentir, de forma específica e destacada, para
    finalidades específicas, de forma similar ao previsto no art. 14, §1º, para o tratamento de dados de
    crianças. O art. 11, inciso II, elenca as situações específicas em que pode haver tratamento de dados
    pessoais sensíveis sem consentimento do titular, as quais também seriam aplicáveis ao tratamento
    de dados de crianças e adolescentes. A redação do art. 11 é a seguinte:
    Art. 11. O tratamento de dados pessoais sensíveis somente poderá ocorrer nas
    seguintes hipóteses:
    I – quando o titular ou seu responsável legal consentir, de forma específica e
    destacada, para finalidades específicas;
    II – sem fornecimento de consentimento do titular, nas hipóteses em que for
    indispensável para:
    a) cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador;
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    b) tratamento compartilhado de dados necessários à execução, pela
    administração pública, de políticas públicas previstas em leis ou regulamentos;
    c) realização de estudos por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível,
    a anonimização dos dados pessoais sensíveis;
    d) exercício regular de direitos, inclusive em contrato e em processo judicial,
    administrativo e arbitral, este último nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro
    de 1996 (Lei de Arbitragem);
    e) proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro;
    f) tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por
    profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária; ou
    g) garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular, nos processos de
    identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos, resguardados os
    direitos mencionados no art. 9º desta Lei e exceto no caso de prevalecerem direitos
    e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais.
  4. Assim, considerando a maior vulnerabilidade de crianças e adolescentes e o princípio do
    melhor interesse, essa interpretação sugere que o tratamento de dados desses titulares seja
    realizado somente nas hipóteses restritivas do art. 11. Tais hipóteses seriam, ainda, compatíveis com
    a determinação do §3º do art. 14, no sentido de que o tratamento sem consentimento dos pais ou
    responsáveis pode ser realizado para a proteção da criança.
  5. Não obstante o seu intuito protetivo, essa interpretação também traz uma série de limitações
    jurídicas e dificuldades de aplicação prática. Nesse sentido, observa-se que, quando a LGPD definiu,
    em seu art. 5º, inciso II, o conceito de dados pessoais sensíveis, não incluiu em seu rol os dados de
    crianças e adolescentes, mas apenas aqueles referentes à origem racial ou étnica, convicção religiosa,
    opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado
    referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa
    natural. A definição legal, portanto, não leva em consideração o titular do dado ou a sua idade, mas,
    sim, de forma mais ampla, a natureza da informação objeto de tratamento, assegurando a sua maior
    proteção, independentemente de quem for o titular.
  6. Observa-se, portanto, que além de não ter amparo no texto da LGPD, que possui definição
    específica de dados pessoais sensíveis, a equiparação entre estes dados e os dados de crianças e
    adolescentes pode inviabilizar situações triviais de tratamento de dados pessoais desses titulares e,
    até mesmo, gerar impactos negativos aos direitos de crianças e adolescentes, violando o princípio do
    melhor interesse. Por exemplo, ao utilizar a rede wi-fi de sua escola, os dados pessoais de crianças e
    adolescentes podem ser eventualmente coletados com base no legítimo interesse do controlador
    visando à própria segurança daqueles estudantes e ao adequado gerenciamento da rede da escola,
    como ao impedir o acesso a determinadas páginas eletrônicas ou ao identificar uma criança que
    acessou determinada página em horário específico.
  7. A questão central a ser ponderada é que a avaliação do atendimento ao melhor interesse da
    criança e do adolescente em um determinado tratamento de dados pessoais não pode ser realizada
    em abstrato. De forma diversa, é necessário avaliar, no caso concreto, se o tratamento realizado
    atende ou não a esse princípio e se os direitos fundamentais da criança e do adolescente estão sendo
    respeitados. Nessa linha, é válido novamente fazer referência ao Comentário Geral nº 25 sobre os
    direitos das crianças em relação ao ambiente digital, do Comitê dos Direitos da Criança da ONU, que,
    ao tratar do melhor interesse da criança, ressalta o seu caráter dinâmico e contextual:
  8. O melhor interesse da criança é um conceito dinâmico que requer uma
    avaliação adequada ao contexto específico. O ambiente digital não foi
    originalmente desenvolvido para crianças, mas desempenha um papel significativo
    na vida das crianças. Estados Partes devem assegurar que, em todas as ações
    Anexo Estudo Preliminar (3615243) SEI 00261.001880/2022-84 / pg. 17
    ESTUDO PRELIMINAR
    18
    relativas ao fornecimento, regulação, design, gestão e uso do ambiente digital, o
    melhor interesse de cada criança seja uma consideração primordial. 35
  9. Considerando o mesmo exemplo de gerenciamento de rede com base no legítimo interesse
    do controlador, pode-se mencionar o disposto no art. 10 da LGPD, que determina que sejam
    consideradas “situações concretas”, que incluem, entre outras, a “proteção, em relação ao titular, do
    exercício regular de seus direitos ou prestação de serviços que o beneficiem, respeitadas as legítimas
    expectativas dele e os direitos e liberdades fundamentais”. Na mesma linha, o inciso IX do art. 7º é
    expresso no sentido de que a hipótese legal do legítimo interesse não poderá ser utilizada se
    “prevalecerem direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados
    pessoais”, o que somente pode ser verificado no caso concreto.
  10. Cabe ressaltar que, entre outras medidas, a ANPD poderá solicitar ao controlador a elaboração
    de Relatório de Impacto à Proteção de Dados Pessoais, quando o tratamento tiver como fundamento
    esta hipótese legal, nos termos do art. 10, §3º da LGPD, de modo a salvaguardar os direitos da criança
    e do adolescente e a observância do tratamento compatibilizado ao seu melhor interesse.
  11. É importante frisar, assim, que a utilização de bases legais mais flexíveis ou menos claramente
    parametrizadas pela Lei, como a do legítimo interesse, devem, no caso do tratamento de dados
    pessoais de crianças e adolescentes, levar sempre em consideração o seu melhor interesse e,
    consequentemente, ser temperadas com uma dose adicional de cautela, considerando a
    vulnerabilidade desse público e os riscos potenciais aos seus direitos fundamentais. Nessa linha, cabe
    ainda recordar que um dos critérios específicos estabelecidos pela ANPD para que se considere a
    existência de um tratamento de dados pessoais de alto risco é justamente a utilização de dados
    pessoais de crianças e de adolescentes.
    36
  12. Além disso, quando o tratamento de dados de crianças e adolescentes abranger dados
    sensíveis – como a origem racial ou étnica ou dados referentes à saúde – deverá ser observado o
    disposto no art. 11. Ressalta-se que os dados sensíveis de crianças e adolescentes devem ser
    protegidos conforme os parâmetros fixados na LGPD, sempre observado, adicionalmente, o seu
    melhor interesse, conforme o art. 14 da Lei.
  13. Neste sentido, em que pese a interpretação aqui examinada, segundo a qual dados pessoais
    de crianças e adolescentes seriam equiparados a dados pessoais sensíveis, entende-se que a tentativa
    de amenizar os riscos no tratamento de dados de crianças e adolescentes por meio do impedimento,
    a priori e em abstrato, do uso de determinadas hipóteses legais, tais como as de execução de contrato,
    de legítimo interesse e proteção ao crédito, poderá inviabilizar casos específicos de tratamento de
    dados pessoais que sejam realizados no melhor interesse da criança e do adolescente.
    Tabela 2: Argumentos favoráveis e contrários à aplicação exclusiva das hipóteses legais previstas
    no art. 11 da LGPD para o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes
    Da aplicação das hipóteses legais previstas no art. 11 da LGPD para o tratamento de dados
    pessoais de crianças e adolescentes
    Argumentos favoráveis Argumentos contrários
  1. De acordo com a terceira interpretação, o tratamento de dados pessoais de crianças e
    adolescentes pode ser realizado com amparo nas hipóteses legais previstas no arts. 7º e 11 da LGPD,
    observados os requisitos legais aplicáveis e o princípio do melhor interesse, nos termos do art. 14.
  2. Ainda conforme essa leitura, o §1º do art. 14 da LGPD teria por escopo a definição dos
    contornos específicos do consentimento, a serem observados quando esta hipótese legal for utilizada
    para o tratamento de dados pessoais de crianças. Nesse sentido, por força do disposto no art. 14, §
    1º, da LGPD, quando o tratamento de dados de crianças for realizado com base na hipótese legal do
    consentimento, este deve ser obtido por pelo menos um dos pais ou responsável legal de forma
    específica e destacada, ainda que não abrangidos, no caso, dados pessoais sensíveis.
  3. Daí decorre que o § 1º do art. 14 não vedou a aplicação das demais hipóteses legais, que não
    o consentimento, ao tratamento de dados pessoais de crianças. 37 Destaca-se que entendimento
    semelhante foi estabelecido em Enunciado aprovado na IX Jornada de Direito Civil, promovida pelo
    Conselho da Justiça Federal, reconhecendo que “o art. 14 da LGPD não exclui a aplicação das demais
    bases legais, se cabíveis, observado o melhor interesse da criança”.38 A esse respeito, cumpre reforçar
    que a regra geral, estabelecida no caput do art. 14 da LGPD, é a de que o tratamento de dados de
    crianças e adolescentes deve sempre ser realizado com base em seu melhor interesse, nos termos da
    LGPD e da legislação pertinente. A questão é que, como demonstrado neste estudo, em determinadas
    ocasiões o tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes com base no consentimento pode
    37 “Como se depreende da Lei, o consentimento é uma das bases legais para o tratamento de dados, mas
    não a única. Acerca do tratamento de dados de menores de idade, não foi estabelecido rol especial para o
    tratamento de suas informações, devendo ser aplicadas, como regra, as disposições dos artigos 7º e 11, que
    trazem as hipóteses previstas pela LGPD para o tratamento de dados pessoais. Entende-se que o art. 14 da
    LGPD traz em si especificidades quanto ao consentimento e mais algumas possibilidades legais de tratamento
    de dados.” Vide TEFFÉ, Chiara Spadaccini de. Proteção de dados de crianças e de adolescentes. Revista do
    advogado, nº. 144, nov. 2019, p. 54-59. Disponível em:
    https://aplicacao.aasp.org.br/aasp/servicos/revista_advogado/paginaveis/144/57/index.html#zoom=z. Acesso
    em: 05 ago. 2022. 38 CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. IX Jornada de Direito Civil – Enunciado nº 684. Disponível em:
    https://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/1823. Acesso em: 05 ago. 2022.
    Anexo Estudo Preliminar (3615243) SEI 00261.001880/2022-84 / pg. 19
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    contrariar o seu melhor interesse, como, por exemplo, caso o consentimento seja negado ao
    tratamento de dados necessário para atender a uma determinação legal, para a execução de políticas
    públicas ou, mesmo, para proteger a vida ou a incolumidade física da criança. Ademais, conforme
    explorado anteriormente, as características do consentimento, que deve ser livre, informado,
    inequívoco e passível de revogação, fazem com que essa base legal não seja a mais apropriada para
    determinados tipos de tratamento de dados pessoais.
  4. Por isso, a regra específica estabelecida no §1º do art. 14 deve ser interpretada em harmonia
    com a regra geral prevista no caput do mesmo artigo. Ou seja, o consentimento para o tratamento de
    dados pessoais de crianças poderá ser utilizado,sempre de forma específica e em destaque, conferido
    por pelo menos um dos pais ou responsável legal, desde que essa seja a hipótese legal mais apropriada
    ao caso concreto e de acordo com o melhor interesse da criança.
  5. O disposto no §3º do art. 14 reforça essa leitura. Como visto, este dispositivo autoriza a coleta
    de dados pessoais de crianças sem o consentimento em duas hipóteses: (i) para contatar os pais ou o
    responsável; e (ii) para a proteção da criança. Mais uma vez, esta segunda hipótese deve ser
    interpretada em harmonia com a regra geral estabelecida no caput do art. 14, segundo a qual o
    tratamento de dados pessoais deve ser realizado no melhor interesse da criança.
  6. Assim, segundo a presente interpretação, o tratamento de dados pessoais de crianças e
    adolescentes poderá ser realizado com base nas diferentes hipóteses legais previstas em lei, desde
    que observado o seu melhor interesse, de acordo com o caso concreto.
  7. Vale ressaltar que esta interpretação não implica conferir um “cheque em branco” para o
    tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. De forma diversa, em qualquer situação,
    o tratamento deverá ser realizado com maior cautela pelos controladores, sempre com vistas a
    atender ao princípio do melhor interesse de crianças e adolescentes. Nesse sentido, essa
    interpretação não impede que a ANPD venha a estabelecer restrições ao tratamento de dados
    pessoais de crianças e adolescentes em situações concretas específicas, inclusive quanto ao uso de
    determinadas hipóteses legais, sempre que for necessário para garantir o respeito ao princípio do
    melhor interesse e dos demais princípios e regras previstos na LGPD e na legislação pertinente.
  8. Ademais, considerando a importância da questão e buscando promover de forma mais ampla
    e efetiva a proteção das crianças e dos adolescentes, a ANPD poderá, no âmbito de suas competências,
    atuar também para promover a educação e a conscientização dos pais, responsáveis legais e desse
    grupo de vulneráveis quanto aos seus direitos e ao tratamento de seus dados pessoais, questão que
    vai muito além da definição da hipótese legal apropriada para o caso.
  9. Conforme mencionado anteriormente, a ANPD endereçou a questão no Regulamento de
    aplicação da Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD),
    para agentes de tratamento de pequeno porte, aprovado pela Resolução CD/ANPD Nº 2, de 27 de
    janeiro de 2022, o qual estabeleceu, em seu art. 4º, II, alínea d, dentre os critérios específicos para a
    classificação de tratamento de dados de alto risco, a utilização de dados pessoais de crianças e de
    adolescentes. Assim, foram estabelecidas maiores salvaguardas para a proteção desses sujeitos
    mesmo nos casos em que o tratamento é realizado por agentes de pequeno porte.
  10. Diante desses elementos, verifica-se que esta terceira interpretação não apresenta as mesmas
    limitações jurídicas e dificuldades de aplicação prática identificadas nas duas primeiras interpretações
    analisadas. Isso porque, de um lado, está estruturada sobre a garantia do melhor interesse, princípio
    que deve ser observado em todos os tratamentos de dados de crianças e adolescentes, em
    conformidade com a regra geral estabelecida no caput do art. 14 da LGPD. De outro lado, considera
    que, a depender do caso concreto, o consentimento pode não ser a hipótese legal mais adequada
    para assegurar a proteção dos interesses de crianças e adolescentes, conforme reconhece e autoriza
    o próprio §3º do art. 14 ao prever que a coleta de dados poderá ser realizada sem consentimento dos
    pais ou responsáveis quando for necessário para a proteção da criança.
  11. Por isso, a terceira interpretação conclui que o tratamento de dados pessoais de crianças e
    adolescentes pode ser realizado com amparo nas hipóteses legais previstas no arts. 7º e 11, da LGPD,
    observados os requisitos legais aplicáveis e o princípio do melhor interesse, nos termos do art. 14.
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    Tabela 3: Argumentos favoráveis e contrários à aplicação das hipóteses legais previstas nos arts.
    7º e 11 da LGPD
    Aplicação das hipóteses legais previstas nos arts. 7º e 11 da LGPD
    Argumentos favoráveis Argumentos contrários
  1. CONCLUSÃO
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  2. O presente estudo foi elaborado com o intuito de analisar as hipóteses legais aplicáveis ao
    tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes. A partir de um levantamento das principais
    questões e dúvidas direcionadas à ANPD sobre o tema, a análise se concentrou em três possíveis
    interpretações sobre o tema:
    (i) a aplicação do consentimento dos pais ou responsável legal, conforme art. 14, §1º, da
    LGPD, como única hipótese legal para o tratamento de dados pessoais de crianças;
    (ii) a aplicação exclusiva das hipóteses legais previstas no art. 11 ao tratamento de dados
    pessoais de crianças e adolescentes, haja vista a sua equiparação aos dados sensíveis; e
    (iii) a aplicação das hipóteses legais previstas nos arts. 7º e 11 da LGPD ao tratamento de
    dados de crianças e adolescentes, desde que observado o princípio do melhor interesse.
  3. A partir da análise dos argumentos favoráveis e contrários a cada uma dessas interpretações,
    apresentados e discutidos ao longo do estudo, conclui-se que a terceira alternativa expressa a melhor
    interpretação da LGPD, de modo que se entende pela possibilidade de tratamento de dados pessoais
    de crianças e adolescentes com base nas hipóteses previstas nos arts. 7º e 11, desde que observado
    o princípio do melhor interesse, conforme previsto no art. 14 da Lei.
  4. Vale ressaltar que, enquanto órgão central de interpretação da LGPD, a ANPD possui
    competência para deliberar, na esfera administrativa, em caráter terminativo, sobre a interpretação
    da Lei (art. 55-J, XX). Entre os mecanismos disponíveis para o exercício dessa competência, a ANPD
    pode editar “enunciado”, o qual, conforme definido no Regimento Interno (art. 51, II), “expressa
    decisão quanto à interpretação da legislação de proteção de dados pessoais e fixa entendimento sobre
    matérias de competência da ANPD, com efeito vinculativo à Autoridade”.
  5. Assim, a fim de dirimir a controvérsia sobre a questão, bem como formalizar e sintetizar a
    interpretação da ANPD sobre a matéria, entende-se que seria possível a edição de enunciado,
    sugerindo-se a seguinte redação preliminar:
    “O tratamento de dados pessoais de crianças e adolescentes poderá ser realizado com base
    nas hipóteses legais previstas no art. 7º ou, no caso de dados sensíveis, no art. 11 da Lei Geral
    de Proteção de Dados (LGPD), desde que observado o seu melhor interesse, a ser avaliado no
    caso concreto, nos termos do caput do art. 14 da Lei.”
  6. Dessa forma, a fim de conferir maior transparência e subsidiar o processo decisório da ANPD,
    propõe-se a disponibilização pública do presente estudo técnico e da proposta de enunciado acima
    exposta, visando promover a discussão pública e colher contribuições da sociedade.
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    Anexo Estudo Preliminar (3615243) SEI 00261.001880/2022-84 / pg. 24
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    Anexo Estudo Preliminar (3615243) SEI 00261.001880/2022-84 / pg. 25

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