TEXTO PARA DISCUSSÃO Nº 1/2022
ESTUDO TÉCNICO
A LGPD e o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos
e para a realização de estudos por órgão de pesquisa
O presente estudo técnico contém análise de caráter preliminar, com vistas a fomentar
o debate público e subsidiar futura tomada de decisão sobre o tema pela ANPD. A
análise apresentada neste documento não representa necessariamente a opinião final
da ANPD sobre o tema.
Comentários e sugestões sobre o texto podem ser enviados para a Ouvidoria da ANPD,
por meio da Plataforma Fala.BR (https://falabr.cgu.gov.br/), observado o prazo indicado
na página da ANPD na internet.
Abril/2022
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Autoridade Nacional de Proteção de Dados
Diretor-Presidente
Waldemar Gonçalves Ortunho Junior
Diretores
Arthur Pereira Sabbat
Joacil Basilio Rael
Miriam Wimmer
Nairane Farias Rabelo Leitão
Equipe de elaboração
Diego Vasconcelos Costa – Gerente de Projeto do Conselho Diretor
Lucas Borges de Carvalho – Gerente de Projeto do Conselho Diretor
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Sumário
I. Introdução…………………………………………………………………………………………………………………. 5
II. Aspectos gerais………………………………………………………………………………………………………….. 7
III. Tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos (art. 4º, II, b)……………………………….. 11
IV. Tratamento de dados pessoais para a realização de estudos por órgão de pesquisa (art. 7º,
IV; 11, II, c)………………………………………………………………………………………………………………….. 14
V. Conclusão……………………………………………………………………………………………………………….. 19
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Texto para discussão nº 1/2022
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I. Introdução

  1. A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD, Lei nº 13.709/2018)
    estabeleceu regras específicas para o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos
    e para a realização de estudos por órgãos de pesquisa. Em conformidade com os
    propósitos gerais da lei, essas regras visam garantir que, sempre que associado à produção
    e à disseminação do conhecimento, o tratamento de dados pessoais seja realizado com
    segurança jurídica e com respeito aos direitos dos titulares.
  2. Nesse sentido, pode-se afirmar que a LGPD procurou estabelecer uma relação de
    equilíbrio entre, de um lado, a proteção de dados pessoais e as garantias da privacidade e
    da autodeterminação informativa; e, de outro lado, a liberdade acadêmica e o livre fluxo
    de informações necessário para a realização de pesquisas nas mais diversas áreas do saber.
    Em termos práticos, no entanto, a definição desse equilíbrio ainda suscita uma série de
    dúvidas sobre a adequação legal de procedimentos e interpretações adotados tanto por
    instituições de ensino e pesquisa quanto por entidades e órgãos públicos responsáveis por
    analisar pedidos de acesso e disponibilizar dados pessoais para pesquisadores.
  3. Em levantamento realizado com o apoio da Ouvidoria, foram identificados cerca
    de 15 questionamentos relevantes sobre o tema, que foram encaminhados à Autoridade
    Nacional de Proteção de Dados (ANPD) por distintos atores sociais, a exemplo de órgãos
    do Poder Judiciário e do Ministério Público, universidades, institutos de pesquisa,
    arquivos públicos e pesquisadores em geral.
  4. Entre as dúvidas, destacam-se os seguintes aspectos, que serão objeto de análise
    no presente estudo: (i) definição e alcance dos conceitos de “tratamento de dados para
    fins exclusivamente acadêmicos” (art. 4º, II, b) e de “órgão de pesquisa” (art. 5º, XVIII);
    (ii) bases legais que autorizam o tratamento de dados pessoais para a realização de
    pesquisas, em especial os arts. 7º, IV e 11, II, c, da LGPD; e (iii) delimitação de
    responsabilidades e forma adequada para a comprovação da identidade do pesquisador e
    de seu vínculo com o órgão de pesquisa a fim de instruir processos de disponibilização
    de acesso ou compartilhamento de dados pessoais para a realização de estudos.
  5. É importante considerar que esse cenário de incerteza jurídica pode gerar impactos
    negativos sobre o desenvolvimento de pesquisas no País, impondo, ademais, obstáculos
    para a plena conformidade das práticas acadêmicas com a LGPD. Assim, por exemplo,
    um órgão do Poder Judiciário informou à ANPD que “vem se manifestando pelo
    indeferimento de pedidos realizados por pessoa natural para o tratamento de dados
    pessoais para fins de pesquisa acadêmica”. O mesmo órgão reconhece que esse
    posicionamento pode inviabilizar a realização de trabalhos acadêmicos, “razão pela qual
    se busca alternativas legais, alicerçadas pelo órgão responsável por zelar, implementar e
    fiscalizar o cumprimento da LGPD em todo o território nacional”.
  6. Na mesma linha, uma Universidade Federal adotou, por cautela, a postura de
    negar pedidos de acesso à informação para fins de pesquisa, “por considerar a inexistência
    de ato normativo regulamentador” que disponha sobre a aplicabilidade do art. 7º, IV e do
    art. 11, II, c, da LGPD. Ainda segundo a mesma instituição, “o que se verifica é que a
    LGPD ao tempo que desejou não impedir o desenvolvimento de pesquisas no país,
    desejou preservar os dados pessoais […]. Entretanto, consideramos que tais
    questionamentos precisam de uma melhor orientação […] sobre o procedimento a se
    realizar com relação aos pedidos de acesso à informação de dados pessoais e/ou sensíveis
    para fins de pesquisas”.
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  7. Considerando esses aspectos, o presente estudo tem por objetivo elaborar uma
    análise sobre a interpretação das principais disposições da LGPD aplicáveis ao tratamento
    de dados pessoais realizado para fins acadêmicos ou por órgãos de pesquisa. Com isso,
    pretende-se fornecer insumos para subsidiar a atuação da ANPD em torno do tema, em
    particular no que tange à expedição de orientações que possam respaldar a
    disponibilização de acesso a dados pessoais e o seu respectivo tratamento para fins
    acadêmicos e de pesquisa com segurança jurídica e respeito aos direitos dos titulares.
  8. O estudo está dividido em três partes. Na primeira, serão apresentados os
    contornos gerais do regime jurídico especial estabelecido pela LGPD para o tratamento
    de dados pessoais para fins acadêmicos e de realização de estudos e pesquisas. Na
    segunda parte, será analisado o disposto no art. 4º, II, b, segundo o qual a LGPD não se
    aplica ao tratamento realizado “para fins exclusivamente acadêmicos, aplicando-se a esta
    hipótese os arts. 7º e 11 desta Lei”. A terceira parte discute o conceito de órgão de
    pesquisa e as bases legais previstas nos arts. 7º, IV e 11, II, c, da LGPD, incluindo
    aspectos práticos sobre a instrução de processos de disponibilização de acesso ou
    compartilhamento de dados pessoais para fins de pesquisa. Por fim, a conclusão do estudo
    sintetiza os principais achados.
  9. Cumpre ressaltar que a análise se limita às disposições da LGPD. Isso porque a
    ANPD é o órgão central de interpretação desta lei, com competência para o
    estabelecimento de normas e diretrizes para a sua implementação, conforme previsto em
    seu art. 55-K, parágrafo único. Assim, não constitui objeto do presente estudo a análise
    ou a interpretação de critérios específicos de disponibilização de acesso ou de divulgação
    de informações pessoais, a exemplo dos previstos no art. 31 da Lei de Acesso à
    Informação (LAI – Lei nº 12.527/2011).
    1
  10. Da mesma forma, não constitui objeto do presente estudo a análise sobre padrões
    e técnicas utilizados em processos de anonimização e pseudonimização. Embora
    relevante para o tratamento de dados pessoais para fins de estudos e pesquisas, a discussão
    sobre este e temas correlatos demanda uma abordagem mais ampla, levando em
    consideração outros contextos e aspectos técnicos e jurídicos, que vão além dos
    propósitos deste estudo.
  11. Em suma, o estudo não pretende ser exaustivo, seja em razão de limitações de
    escopo e de tempo, seja por se tratar de uma versão preliminar, que busca promover a
    1 Lei 12.527/2011. Art. 31. O tratamento das informações pessoais deve ser feito de forma transparente e
    com respeito à intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas, bem como às liberdades e garantias
    individuais. § 1º As informações pessoais, a que se refere este artigo, relativas à intimidade, vida privada,
    honra e imagem: I – terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo
    máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção, a agentes públicos legalmente autorizados e
    à pessoa a que elas se referirem; e II – poderão ter autorizada sua divulgação ou acesso por terceiros
    diante de previsão legal ou consentimento expresso da pessoa a que elas se referirem. § 2º Aquele que
    obtiver acesso às informações de que trata este artigo será responsabilizado por seu uso indevido. § 3º O
    consentimento referido no inciso II do § 1º não será exigido quando as informações forem necessárias:
    I – à prevenção e diagnóstico médico, quando a pessoa estiver física ou legalmente incapaz, e para utilização
    única e exclusivamente para o tratamento médico; II – à realização de estatísticas e pesquisas científicas
    de evidente interesse público ou geral, previstos em lei, sendo vedada a identificação da pessoa a que as
    informações se referirem; III – ao cumprimento de ordem judicial; IV – à defesa de direitos humanos; ou V
  1. A disponibilização pública da versão preliminar deste estudo, no formato de texto
    para discussão, atende às competências legais da ANPD para “promover e elaborar
    estudos sobre as práticas nacionais e internacionais de proteção de dados pessoais e
    privacidade” e para “ouvir os agentes de tratamento e a sociedade em matérias de
    interesse relevante” (art. 55-J, VII e XIV, LGPD).
  2. Por fim, registre-se que comentários e sugestões podem ser enviados para a
    Ouvidoria da ANPD, por meio da Plataforma Fala.BR (https://falabr.cgu.gov.br/),
    observado o prazo indicado na página da ANPD na internet.
    II. Aspectos gerais
  3. Inicialmente, é importante considerar que a LGPD instituiu um regime jurídico
    especial para o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e de realização de
    estudos e pesquisas. Os principais pontos deste regime estão fixados em cinco disposições
    da LGPD.
  4. A primeira é a previsão de que a disciplina da proteção de dados pessoais tem
    como fundamentos, conforme art. 2º, III e V: (i) as liberdades de expressão, de
    informação, de comunicação e de opinião; e (ii) o desenvolvimento econômico e
    tecnológico e a inovação. Decorre desses princípios a necessidade de interpretar as
    normas da LGPD de forma compatível com o pluralismo de ideias e a liberdade de
    manifestação do pensamento, bem como com a promoção da inovação científica no País,
    determinação que também se ampara na Constituição Federal.2
  5. A segunda disposição legal foi estabelecida no art. 4º, II, b, que afasta
    parcialmente a aplicação da LGPD para o tratamento realizado para fins exclusivamente
    acadêmicos. Conforme será abordado mais adiante, o principal intuito deste artigo foi o
    de proteger a liberdade acadêmica e estabelecer um regime de proteção de dados pessoais
    mais flexível e mais adequado à dinâmica própria das atividades acadêmicas. De um lado,
    nem todas as disposições da LGPD são aplicáveis; e, de outro, quando for este o caso, é
    necessário fazê-lo em harmonia com o livre e legítimo exercício das atividades
    acadêmicas.
  6. A terceira disposição legal está prevista nos arts. 7º, IV e 11, II, c. Estes
    dispositivos estabelecem uma base legal específica, que autoriza a utilização de dados
    pessoais, inclusive os de natureza sensível, para a realização de estudos por órgãos de
    pesquisa, garantida a sua anonimização sempre que possível. Esta previsão legal é
    relevante, pois reconhece de forma expressa a possibilidade de utilização legítima de
    dados pessoais para a realização de estudos e pesquisas, simplificando e conferindo maior
    segurança jurídica aos tratamentos realizados nessas hipóteses.
  7. A título de comparação, vale mencionar que o Regulamento Geral de Proteção de
    Dados (RGPD) da União Europeia não possui base legal similar a esta. Assim, além do
    consentimento, os tratamentos de dados pessoais para fins de pesquisa científica podem
    se amparar nas bases legais do “interesse público” (quando realizado por instituições
    2 Nesse sentido, o art. 206, II, assegura “a liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento,
    a arte e o saber” e o art. 218 determina que “o Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico,
    a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.”
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    públicas, por exemplo) ou do “legítimo interesse”.3 Não obstante, o RGPD prevê uma
    regra de “presunção de compatibilidade”, segundo a qual o tratamento posterior de dados
    pessoais, quando realizado para fins de investigação científica, histórica ou estatística, é
    considerado compatível com as finalidades que justificaram o tratamento original.4
  8. Em termos práticos, esta presunção de compatibilidade prevista no RGPD exerce
    função similar à da base legal específica prevista na LGPD: em ambos os casos, há o
    expresso e prévio reconhecimento da legitimidade da utilização de dados pessoais para
    fins de estudos e pesquisas. Dessa forma, embora adotem técnicas legislativas distintas,
    ambas as normas presumem que o tratamento de dados pessoais nessas hipóteses guarda
    compatibilidade com a legislação, sem prejuízo, vale a ressalva, da adoção das medidas
    apropriadas e necessárias para a preservação da privacidade dos titulares.
  9. Em linha semelhante, a quarta disposição legal reforça a ideia de que a LGPD
    prestigia a promoção da inovação científica no País. Trata-se do art. 16, III, que
    expressamente autoriza a conservação de dados pessoais para a finalidade de estudo por
    órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a sua anonimização. Dessa forma,
    sempre que verificada esta hipótese, isto é, a necessidade de guarda dos dados pessoais
    para a finalidade de realização de estudos por órgão de pesquisa, a exemplo de estudos
    de caráter histórico, estatístico, tecnológico ou científico, os agentes de tratamento
    poderão legitimamente conservar os dados pessoais, observadas as demais normas
    pertinentes, inclusive quanto às tabelas de temporalidade aplicáveis.
  10. Daí decorre, entre outros efeitos práticos, que em caso de solicitação do titular
    visando, por exemplo, ao término do tratamento e à eliminação de seus dados pessoais, o
    agente de tratamento poderá indeferir o pedido, se constatar que, dadas as circunstâncias
    relevantes e após a ponderação entre os interesses envolvidos, prevalece a necessidade de
    conservar os dados pessoais para o atendimento à finalidade referida. Essa leitura também
    se ampara no art. 15, III, da LGPD, segundo o qual o titular pode solicitar o término do
    tratamento, “resguardado o interesse público”, o qual, no exemplo mencionado, pode ser
    identificado com a finalidade de estudo por órgão de pesquisa.
    5
  11. A quinta e última disposição legal aplicável ao tratamento de dados para fins
    acadêmicos e de pesquisa é o art. 13 da LGPD. A redação é a seguinte:
    3 MALDOFF, Gabe. How GDPR changes the rules for research, abril/2016. Disponível em:
    https://iapp.org/news/a/how-gdpr-changes-the-rules-for-research/. Acesso: 25 fev. 2022.
    4 A regra de presunção de compatibilidade está prevista no art. 5º, 1, b, do RGPD: “[…] o tratamento
    posterior para fins de arquivo de interesse público, ou para fins de investigação científica ou histórica ou
    para fins estatísticos, não é considerado incompatível com as finalidades iniciais, em conformidade com o
    artigo 89º, nº 1 («limitação das finalidades»)”. De acordo com o European Data Protection Supervisor
    (EDPS), “esta presunção não é uma autorização geral para qualquer hipótese de tratamento posterior de
    dados para fins históricos, estatísticos ou científicos. Cada caso deve ser objeto de avaliação, considerando
    o seu conteúdo e circunstâncias. Mas, em princípio, dados pessoais coletados em contextos comerciais ou
    de saúde, por exemplo, podem ser posteriormente utilizados para fins de pesquisa científica por um novo
    controlador ou pelo controlador original, desde que adotadas as salvaguardas necessárias” (tradução livre).
    EDPS. A preliminary opinion on data protection and scientific research, jan./2020, p. 22. Disponível em:
    https://edps.europa.eu/sites/edp/files/publication/20-01-06_opinion_research_en.pdf. Acesso: 25 fev.

  12. 5
    “Art. 15. O término do tratamento de dados pessoais ocorrerá nas seguintes hipóteses: […] III –
    comunicação do titular, inclusive no exercício de seu direito de revogação do consentimento conforme
    disposto no § 5º do art. 8º desta Lei, resguardado o interesse público”. No contexto de disponibilização
    de acesso à informação pública, o art. 31, § 4º, da LAI, traz determinação que aponta em sentido similar,
    ao prever que “a restrição de acesso à informação relativa à vida privada, honra e imagem de pessoa não
    poderá ser invocada com o intuito de prejudicar […] ações voltadas para a recuperação de fatos históricos
    de maior relevância”.
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    Art. 13. Na realização de estudos em saúde pública, os órgãos de pesquisa poderão ter acesso a
    bases de dados pessoais, que serão tratados exclusivamente dentro do órgão e estritamente para
    a finalidade de realização de estudos e pesquisas e mantidos em ambiente controlado e seguro,
    conforme práticas de segurança previstas em regulamento específico e que incluam, sempre que
    possível, a anonimização ou pseudonimização dos dados, bem como considerem os devidos
    padrões éticos relacionados a estudos e pesquisas.
    § 1º A divulgação dos resultados ou de qualquer excerto do estudo ou da pesquisa de que trata o
    caput deste artigo em nenhuma hipótese poderá revelar dados pessoais.
    § 2º O órgão de pesquisa será o responsável pela segurança da informação prevista no caput
    deste artigo, não permitida, em circunstância alguma, a transferência dos dados a terceiro.
    § 3º O acesso aos dados de que trata este artigo será objeto de regulamentação por parte da
    autoridade nacional e das autoridades da área de saúde e sanitárias, no âmbito de suas
    competências.
    § 4º Para os efeitos deste artigo, a pseudonimização é o tratamento por meio do qual um dado
    perde a possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo, senão pelo uso de
    informação adicional mantida separadamente pelo controlador em ambiente controlado e seguro.
  13. O art. 13 ratifica a autorização para disponibilização de acesso a dados pessoais
    para fins de realização de estudos e pesquisas, estipulando, em acréscimo, medidas
    específicas de prevenção e segurança a serem observadas no campo dos estudos de saúde
    pública. Assim, os dados pessoais devem ser armazenados em ambiente controlado e
    seguro, com a sua anonimização ou pseudonimização sempre que possível. Além disso,
    devem ser tratados exclusivamente dentro do órgão e para o atendimento à estrita
    finalidade da pesquisa, vedada a sua transferência para terceiros. Por fim, devem ser
    observados os padrões éticos aplicáveis à hipótese, não se admitindo a revelação de
    informações pessoais por ocasião da publicação do resultado do estudo.
  14. Em decorrência do disposto no art. 13 da LGPD, e em consonância com
    obrigações similares previstas em outros normativos,6
    o acesso a dados pessoais por
    órgãos de pesquisa e respectivos pesquisadores para fins de estudos em saúde pública é
    vinculado ao compromisso legal e ético de respeitar a confidencialidade desses dados
    e a privacidade dos titulares, bem como de utilizá-los apenas para a finalidade
    específica de realização de estudos em saúde pública. Nesse sentido, a posição dos
    pesquisadores nessas situações pode ser equiparada à de profissionais que têm o dever
    de conferir sigilo às informações recebidas no exercício de sua atividade profissional,
    a exemplo de médicos e advogados.7
  15. Trata-se, ademais, de uma decorrência do princípio da boa-fé, que deve orientar
    todas as atividades de tratamento de dados pessoais, conforme previsto no art. 6º da
    6 Em sentido similar ao disposto na LGPD, o art. 61 do Decreto nº 7.724/2012, que regulamenta a LAI no
    âmbito do Poder Executivo federal, prevê que “a utilização de informação pessoal por terceiros vincula-se
    à finalidade e à destinação que fundamentaram a autorização do acesso, vedada sua utilização de maneira
    diversa”, sob pena de responsabilização “por seu uso indevido, na forma da lei”. Na mesma linha, a
    Resolução nº 466/2012, do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que estabelece diretrizes éticas para a
    pesquisa envolvendo seres humanos, dispõe, em seu item II.15, que o pesquisador é “corresponsável pela
    integridade e bem-estar dos participantes da pesquisa”. Por sua vez, o item III.2, q, exige que o material e
    os dados obtidos na pesquisa sejam utilizados “exclusivamente para a finalidade prevista no seu protocolo,
    ou conforme o consentimento do participante”.
    7 De acordo com as orientações fornecidas pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, os pesquisadores
    devem assegurar aos participantes “o compromisso profissional com o sigilo absoluto das informações”
    utilizadas na pesquisa. Cartilha dos direitos dos participantes de pesquisa. Brasília, Ministério da Saúde,
    Conselho Nacional de Saúde, 2020, p. 11. Disponível em:
    https://conselho.saude.gov.br/images/comissoes/conep/img/boletins/Cartilha_Direitos_Participantes_de_
    Pesquisa_2020.pdf. Acesso: 2 mar. 2022.
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    LGPD. Assim, o tratamento de dados deve sempre se pautar por parâmetros de
    transparência, correção e lealdade, assegurando a devida proteção à confiança e às
    legítimas expectativas dos titulares. O princípio da boa-fé, em suma, estabelece um dever
    de conduta aos pesquisadores e respectivas instituições, que devem agir segundo
    fundamentos e padrões éticos.8
  16. Nessa linha, a Resolução CNS nº 466/2012 estabelece que, entre outros padrões
    éticos, as pesquisas envolvendo seres humanos, realizadas em qualquer área do
    conhecimento, devem:
    III. 2. […]
    i) prever procedimentos que assegurem a confidencialidade e a privacidade, a
    proteção da imagem e a não estigmatização dos participantes da pesquisa,
    garantindo a não utilização das informações em prejuízo das pessoas e/ou das
    comunidades, inclusive em termos de autoestima, de prestígio e/ou de aspectos
    econômico-financeiros.
  17. Outro ponto relevante a ser considerado é que, embora o art. 13 estabeleça
    requisitos específicos para os estudos em saúde pública, a prevenção e a segurança são
    princípios gerais da LGPD (art. 6º, VII e VIII), que se aplicam a qualquer operação com
    dados pessoais, constituindo obrigação legal dos agentes de tratamento, nos termos dos
    arts. 46 e 47.
    9 Assim, estudos realizados em outras áreas do conhecimento também
    devem adotar as medidas protetivas necessárias e adequadas para a mitigação de
    riscos aos titulares dos dados pessoais, aplicando-se, no que couber, os parâmetros
    definidos no art. 13, conforme as peculiaridades de cada caso.
  18. É o que ocorre, em especial, com estudos que realizam tratamento de dados
    pessoais sensíveis, tais como informações referentes à origem racial e étnica, convicção
    religiosa e opinião política. Nessas situações, ainda que o estudo não se situe no campo
    da saúde pública, também será necessária a adoção de salvaguardas técnicas e jurídicas
    apropriadas e proporcionais aos riscos envolvidos, a fim de evitar a ocorrência de
    incidentes e preservar a privacidade dos titulares e a confidencialidade das informações
    utilizadas, considerando, ademais, os padrões éticos aplicáveis. Conforme sintetizam
    Maurício Barreto, Bethania Almeida e Danilo Doneda, em artigo sobre o tema:
    Entendemos que, para a lei [LGPD], as atividades de pesquisa são consideradas enquanto um
    contexto específico de processamento de dados pessoais, que deve equilibrar os direitos
    individuais e a busca pelo interesse público a partir da aplicação de medidas técnicas e
    organizacionais suficientes e adequadas para garantir a proteção dos dados e o mínimo possível
    8 Sobre o princípio da boa-fé no direito brasileiro, v. LÔBO, Paulo. Direito civil: parte geral. 5ª ed. São
    Paulo: Saraiva, 2015, p. 91-92.
    9 Art. 46. Os agentes de tratamento devem adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a
    proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição,
    perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito. § 1º A autoridade
    nacional poderá dispor sobre padrões técnicos mínimos para tornar aplicável o disposto no caput deste
    artigo, considerados a natureza das informações tratadas, as características específicas do tratamento e o
    estado atual da tecnologia, especialmente no caso de dados pessoais sensíveis, assim como os princípios
    previstos no caput do art. 6º desta Lei. § 2º As medidas de que trata o caput deste artigo deverão ser
    observadas desde a fase de concepção do produto ou do serviço até a sua execução.
    Art. 47. Os agentes de tratamento ou qualquer outra pessoa que intervenha em uma das fases do tratamento
    obriga-se a garantir a segurança da informação prevista nesta Lei em relação aos dados pessoais, mesmo
    após o seu término.
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    11
    de processamento, possibilitando que sejam alcançados os objetivos das pesquisas, reduzindo os
    riscos relacionados a sua utilização.10
  19. Diante do exposto, conclui-se que os dispositivos da LGPD citados (art. 2º, III e
    V; art. 4º, II, b; art. 7º, IV; art. 11, II, c; art. 16, II e art. 13) estabelecem um regime jurídico
    especial aplicável ao tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e de realização
    de estudos e pesquisas, de acordo com o qual devem ser observados os seguintes preceitos
    gerais:
    (i) interpretação da LGPD de forma compatível com as garantias da liberdade de
    expressão e do pluralismo de ideias no ambiente acadêmico, bem como com a promoção
    da inovação e do desenvolvimento científico e tecnológico no País;
    (ii) regime de proteção de dados pessoais mais flexível e adequado à dinâmica
    própria das atividades acadêmicas, baseado na incidência parcial da LGPD ao tratamento
    de dados pessoais realizado para fins exclusivamente acadêmicos;
    (iii) expresso reconhecimento da legitimidade da utilização de dados pessoais
    para fins de realização de estudos e pesquisas, finalidade esta considerada compatível
    com a legislação de proteção de dados pessoais;
    (iv) autorização para a conservação de dados pessoais para assegurar a realização
    de estudo por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a sua anonimização; e
    (v) possibilidade de disponibilização de acesso ou de compartilhamento de dados
    pessoais, inclusive os de natureza sensível, para fins de realização de estudos,
    especialmente por órgãos de pesquisa e respectivos pesquisadores, na forma da lei,
    observadas as salvaguardas técnicas e jurídicas apropriadas e proporcionais aos riscos
    envolvidos e a vinculação do tratamento à finalidade de realização de estudos e pesquisas.
  20. Em suma, o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e de realização de
    estudos e pesquisas deve ser efetuado em consonância com os elementos centrais do
    regime jurídico especial estabelecido pela LGPD. Mais precisamente, ao interpretar as
    disposições legais pertinentes, deve-se reconhecer que os dados pessoais constituem um
    ativo estratégico para as atividades acadêmicas, razão pela qual a lei possibilita o
    tratamento desses dados pelos agentes responsáveis, em conformidade com parâmetros
    legais que objetivam proteger os direitos dos titulares e conferir maior segurança jurídica
    às operações.
    III. Tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos (art. 4º, II, b)
  21. De acordo com o art. 4º, II, b, a LGPD não se aplica ao tratamento de dados
    pessoais “realizado para fins exclusivamente acadêmicos, aplicando-se a esta hipótese
    os arts. 7º e 11 desta Lei”. Como se pode observar, o dispositivo estabelece dois
    comandos: (i) a derrogação parcial da LGPD, que afasta a sua aplicação em uma hipótese
    de tratamento específica (“para fins exclusivamente acadêmicos”); e (ii) a determinação
    de que, nesta mesma hipótese, devem ser observadas as regras atinentes às bases legais
    (arts. 7º e 11).
    10 BARRETO, M.; ALMEIDA, B.; DONEDA, D. Uso e proteção de dados pessoais na pesquisa científica.
    RDU, Porto Alegre, Volume 16, n. 90, nov-dez 2019, p. 189. Disponível em:
    https://portal.idp.emnuvens.com.br/direitopublico/article/download/3895/Doneda%3B%20Barreto%3B%
    20Almeida%2C%202019. Acesso: 25 fev. 2022.
    Documento TEXTO PARA DISCUSSÃO – ÓRGÃOS DE PESQUISA (.PDF) (3318436) SEI 00261.000810/2022-17 / pg. 11
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    12
  22. O primeiro comando deve ser interpretado restritivamente, limitando-se a
    derrogação parcial da LGPD às situações em que o tratamento de dados pessoais esteja
    estritamente vinculado ao exercício da liberdade acadêmica. Esta constitui uma espécie
    das liberdades de expressão e de manifestação do pensamento, em geral exercida em
    ambientes propícios à exposição e debate de ideias, tais como salas de aula, congressos e
    seminários científicos. Como exemplo, pode ser citada a utilização de determinadas
    informações pessoais como parte de uma aula, de uma palestra ou de um debate entre
    docentes e estudantes, situações estas nas quais a aplicação da LGPD estaria parcialmente
    afastada.
  23. O ponto central a ser considerado é que, em harmonia com a Constituição Federal,
    o art. 4º, II, b, da LGPD, visa facilitar a realização de atividades acadêmicas, afastando a
    incidência de certas obrigações legais. Com isso, a lei promove a “liberdade de aprender,
    ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, bem como “o pluralismo
    de ideias e de concepções pedagógicas” (art. 206, II e III, Constituição Federal). A
    legislação de proteção de dados, nesse sentido, não pode ser interpretada ou aplicada de
    modo a impedir ou estabelecer obstáculos indevidos ao exercício da autonomia intelectual
    e didático-científica de docentes e discentes nos ambientes acadêmicos.
  24. No âmbito europeu, o EDPS apresenta interpretação similar, ao sustentar que o
    tratamento para fins de “expressão acadêmica”, conforme previsto no art. 85 do RGPD,11
    abrange operações com dados pessoais diretamente vinculadas à liberdade de expor e
    disseminar o conhecimento, mediante, por exemplo, o debate de ideias e de opiniões, a
    publicação de resultados de pesquisas e o compartilhamento de dados e de metodologias
    entre pares.12
  25. Portanto, o âmbito de incidência da derrogação parcial da LGPD prevista em seu
    art. 4º, II, b, é restrito aos tratamentos de dados pessoais vinculados de forma estrita
    – ou, conforme a terminologia utilizada na lei, exclusivamente – ao exercício da
    liberdade de expressão nos ambientes acadêmicos. Por isso, não se pode admitir a
    interpretação abrangente da norma em questão ou a sua utilização abusiva, em particular
    se aplicada com o fim de contornar determinações legais ou, ainda, de amparar a
    realização de tratamentos de dados pessoais sem as devidas salvaguardas técnicas e
    jurídicas exigidas pela LGPD.
  26. Pela mesma razão, é necessária a observância plena da LGPD sempre que o
    tratamento de dados pessoais atender a outros fins, que não aqueles estritamente
    vinculados à livre expressão acadêmica. Por exemplo, o tratamento de dados pessoais
    realizado por instituições de ensino para fins administrativos, ainda que possua algum
    vínculo indireto com ações acadêmicas, deve respeitar integralmente a LGPD. É o caso
    da coleta de dados pessoais de estudantes para matrículas, estágios, processos seletivos,
    registros de presença e notas de avaliação ou, ainda, do tratamento de dados pessoais de
    funcionários e de docentes pelo setor de recursos humanos dessas instituições.
    11 Art. 85. […] 2. Para o tratamento efetuado para fins jornalísticos ou para fins de expressão académica,
    artística ou literária, os Estados-Membros estabelecem isenções ou derrogações do capítulo II (princípios),
    do capítulo III (direitos do titular dos dados), do capítulo IV (responsável pelo tratamento e subcontratante),
    do capítulo V (transferência de dados pessoais para países terceiros e organizações internacionais), do
    capítulo VI (autoridades de controlo independentes), do capítulo VII (cooperação e coerência) e do capítulo
    IX (situações específicas de tratamento de dados) se tais isenções ou derrogações forem necessárias para
    conciliar o direito à proteção de dados pessoais com a liberdade de expressão e de informação.
    12 EDPS. A preliminary opinion on data protection and scientific research, jan./2020, p. 10. Disponível em:
    https://edps.europa.eu/sites/edp/files/publication/20-01-06_opinion_research_en.pdf. Acesso: 25 fev.
    2022.
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  27. Também se deve atentar para o fato de que a flexibilização das regras de proteção
    de dados pessoais aplicadas para fins acadêmicos não deve ser apropriada indevidamente
    pelo setor privado ou, mais especificamente, não pode ser utilizada a fim de isentar
    sociedades empresárias e outros agentes de tratamento de cumprir as obrigações previstas
    na legislação de proteção de dados pessoais.13
  28. A questão ganha relevância, em particular, nos casos de parcerias entre órgãos de
    pesquisa e entidades privadas, nos quais pode ocorrer o eventual tratamento de dados
    pessoais para o desenvolvimento de atividades comerciais no ambiente corporativo. A
    definição clara da natureza, das funções e das responsabilidades de cada agente de
    tratamento, a identificação da base legal apropriada, das categorias de dados tratados e de
    suas respectivas finalidades, entre outros aspectos relevantes, conforme o previsto na
    LGPD, constituem elementos essenciais para a adequada definição do regime jurídico
    aplicável ao caso concreto.
  29. Reforçando o exposto, vale citar a seguinte hipótese, mencionada no Guia de
    Proteção de Dados Pessoais – Pesquisa, da Fundação Getúlio Vargas:
    É fundamental lembrar que dentro de um órgão de pesquisa determinados setores podem
    desempenhar atividades que não são pesquisa nos termos da legislação e, portanto, não se
    aproveitam do regime jurídico discutido neste Guia. Por exemplo, um Centro, Núcleo, Grupo ou
    Instituto vinculado a um órgão de pesquisa pode ser contratado para a realização de atividades
    de consultoria, em cenários nos quais bancos de dados com dados pessoais forem compartilhados
    com empresas (públicas ou privadas), em um escopo de trabalho pré-definido e cujos resultados
    não sejam disponibilizados publicamente. Nesses casos a atividade realizada não é de pesquisa
    e, portanto, as obrigações incidentes sobre a entidade serão as mesmas aplicáveis às empresas.
    Portanto, o fato de alguém estar vinculado a um órgão da pesquisa não significa automaticamente
    que qualquer atividade desempenhada seja pesquisa.
    14
  30. Em suma, nessas e em outras situações similares, o tratamento de dados pessoais
    não se insere na exceção legal prevista no art. 4º, II, b, da LGPD, uma vez que não atende
    ao requisito da finalidade exclusivamente acadêmica. Fica claro, também, que o
    afastamento parcial da aplicação da LGPD não pode ser efetuado em abstrato ou de
    forma ampla e genérica. Ao contrário, é necessário avaliar as circunstâncias concretas
    de cada caso, a fim de verificar se os requisitos legais foram, efetivamente, contemplados
    na hipótese.
  31. Como mencionado, o art. 4º, II, b, da LGPD, contém um segundo comando,
    segundo o qual, mesmo na hipótese de tratamento para fins exclusivamente acadêmicos,
    deve ser observado o disposto no arts. 7º e 11.
  32. A principal consequência desta regra é que, não obstante a dispensa de
    atendimento integral da LGPD, o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos
    deve ser sempre lícito, isto é, compatível com o ordenamento jurídico e regularmente
    amparado em uma das bases legais previstas na lei. Entre estas, o consentimento do
    13 Conforme exposto em Guia sobre o tema, elaborado pela Fundação Getúlio Vargas, “a flexibilização do
    regime de proteção de dados pessoais aplicada ao setor de pesquisa está diretamente relacionada aos
    benefícios que o setor traz para a sociedade. Por esta razão, a área de pesquisa não deve ser usada como um
    meio para o não cumprimento das obrigações incidentes sobre o setor empresarial.” ALMEIDA, Fábio.
    Guia de proteção de dados pessoais: pesquisa. São Paulo: CEPI-FGV Direito SP, 2020, p. 32-33.
    Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/30879. Acesso: 4 mar. 2022.
    14 ALMEIDA, Fábio. Guia de proteção de dados pessoais: pesquisa. São Paulo: CEPI-FGV Direito SP,
    2020, p. 33. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/30879. Acesso: 4 mar.

  33. Documento TEXTO PARA DISCUSSÃO – ÓRGÃOS DE PESQUISA (.PDF) (3318436) SEI 00261.000810/2022-17 / pg. 13
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    titular, a realização de estudos por órgão de pesquisa e o atendimento a interesse legítimo
    são exemplos de bases legais que, em tese, podem ser utilizadas no contexto acadêmico.
  34. É importante ressaltar que o tratamento de dados pessoais cujo acesso é público
    também deve observar a LGPD. Mais especificamente, o tratamento desses dados
    pessoais, prática usual no ambiente acadêmico, deve se amparar em uma base legal
    apropriada e respeitar “a finalidade, a boa-fé e o interesse público que justificaram a sua
    disponibilização” (art. 7º, § 3º). Além disso, a utilização desses dados para outras
    finalidades – inclusive de dados tornados manifestamente públicos pelo titular – deve
    observar “os propósitos legítimos e específicos para o novo tratamento e a preservação
    dos direitos do titular, assim como os fundamentos e os princípios previstos” na LGPD
    (art. 7º, § 7º).
  35. Por fim, não obstante o art. 4º, II, b, se referir apenas aos artigos que tratam das
    bases legais, outros dispositivos da LGPD também podem ser aplicáveis ao
    tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos. É o caso do art. 13, que dispõe
    sobre os estudos em saúde pública e estabelece parâmetros que podem ser aproveitados
    em outros contextos de tratamento de dados para fins acadêmicos. Da mesma forma, os
    princípios (art. 6º) e outras determinações que explicitam conceitos ou auxiliam a
    compreensão e a aplicação das disposições relativas às bases legais também devem ser
    observados. A esse respeito, podem ser mencionados, entre outros, os arts. 8º, 10 e 12,
    que estabelecem, respectivamente, normas relevantes sobre a obtenção do consentimento
    do titular, o interesse legítimo do controlador e a anonimização de dados pessoais.
    IV. Tratamento de dados pessoais para a realização de estudos por órgão
    de pesquisa (art. 7º, IV; 11, II, c).
  36. Dentre as hipóteses indicadas nos artigos 7º e 11 da LGPD, está prevista a
    possibilidade de tratamento de dados pessoais que tenha por finalidade a realização de
    estudos por órgãos de pesquisa. Esta hipótese alcança, inclusive, o tratamento de dados
    pessoais de natureza sensível, independentemente de consentimento pelo titular do dado.
  37. É importante ressaltar que eventual dispensa do consentimento para os fins da
    LGPD, em razão da incidência de outra base legal no caso concreto, não afasta a
    necessidade de obtenção do consentimento dos participantes de pesquisa quando assim
    exigido pelas normas e padrões éticos aplicáveis. Portanto, é plenamente possível que o
    consentimento seja dispensável do ponto de vista da legislação de proteção de dados
    pessoais e necessário do ponto de vista ético. Nesse sentido, o art. 13 da LGPD é expresso
    quanto à necessidade de que se considerem “os devidos padrões éticos relacionados a
    estudos e pesquisas”, reconhecendo, dessa maneira, a existência de uma relação
    complementar entre os campos legal e ético de regulação das atividades de pesquisa.15
  38. Como já mencionado, a existência de previsão legal que possibilita a realização
    de estudos envolvendo dados pessoais privilegia e reconhece a relevância das atividades
    relacionadas ao desenvolvimento de estudos realizados por órgãos de pesquisa para a
    produção de conhecimento e resolução dos mais variados desafios do conhecimento
    humano.
    15 Em sentido similar, ver EDPS. A preliminary opinion on data protection and scientific research,
    jan./2020, p. 19-20. Disponível em: https://edps.europa.eu/sites/edp/files/publication/20-01-
    06_opinion_research_en.pdf. Acesso: 25 fev. 2022.
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    15
  39. Ao mesmo tempo, as diretrizes que fundamentam a disciplina da proteção de
    dados pessoais, descritas no artigo 2º da LGPD, seguem orientando qualquer operação
    que envolva o tratamento de dados pessoais, destacando-se o respeito à privacidade, a
    liberdade de expressão, de informação, de comunicação e de opinião, a inviolabilidade da
    intimidade, da honra e da imagem e o desenvolvimento econômico e tecnológico e a
    inovação.
  40. Nesse contexto, foram estabelecidos requisitos à realização de tratamento de
    dados pessoais para a finalidade de realização de estudos por órgão de pesquisa, conforme
    o disposto nos artigos 7º, IV e 11, II, c, da LGPD, que devem ser necessariamente
    preenchidos pelos agentes de tratamento autorizados à adoção da base legal avaliada.
  41. O primeiro deles refere-se à natureza do agente de tratamento autorizado à
    realização de pesquisas envolvendo dados pessoais. Desta forma, para ser possível a
    utilização da base legal em questão, os estudos deverão ser desenvolvidos por órgãos de
    pesquisa, que encontram definição no artigo 5º, XVIII, da lei, nos seguintes termos:
    Art. 5º […]
    XVIII – órgão de pesquisa: órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta ou
    pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos legalmente constituída sob as leis
    brasileiras, com sede e foro no País, que inclua em sua missão institucional ou em seu objetivo
    social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada de caráter histórico, científico, tecnológico ou
    estatístico.
  42. À luz da legislação, observa-se a necessidade de que o agente de tratamento seja
    órgão ou entidade da administração pública direta ou indireta16 ou, ainda, pessoa jurídica
    de direito privado sem fins lucrativos legalmente constituída sob as leis brasileiras, com
    sede e foro no País. Além disso, o agente deve possuir entre suas missões institucionais
    ou em seu objeto social ou estatutário a pesquisa básica ou aplicada, para fins históricos,
    científicos, tecnológicos ou estatísticos. Considerando essa definição, podem ser
    mencionados como exemplos de órgãos de pesquisa: instituições de ensino superior
    públicas ou privadas sem fins lucrativos, centros de pesquisa nacionais e entidades
    públicas que realizam pesquisas, tais como o Instituto Brasileiro de Geografia e
    Estatística (IBGE) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
  43. Do conceito exposto, merece destaque a exclusão de pessoas jurídicas de direito
    privado com fins lucrativos do rol de agentes de tratamento para os quais é legítima a
    utilização desta base legal. Isso significa que para essas instituições, mesmo detendo entre
    suas finalidades constitutivas a realização de pesquisa, não se torna possível a utilização
    dessa base legal específica.
  44. Tal fato não induz à conclusão de que pessoas jurídicas de direito privado com
    finalidade lucrativa, ou outras que eventualmente não se enquadrem no conceito de órgão
    de pesquisa constante na LGPD, como as pessoas naturais, não possam realizar
    tratamento de dados pessoais para fins de estudos e pesquisas. Trata-se, apenas, da
    impossibilidade de utilização da base legal aqui avaliada (arts. 7º, IV; e 11, II, c),
    exigindo-se para esses casos o amparo da situação concreta em outra hipótese legal, como
    as bases do consentimento do titular ou do legítimo interesse, observados os requisitos
    legais aplicáveis.
  45. Na prática, a LGPD impôs requisitos mais estritos para o tratamento de dados
    pessoais para fins de realização de estudos e pesquisas por pessoas jurídicas de direito
    16 Cujo conceito, especificamente para a Administração Federal, pode ser observado a partir da leitura do
    Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967.
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    privado com fins lucrativos ou por pessoas naturais.
    17 É o que se verifica, em particular,
    nos casos em que realizado tratamento de dados pessoais sensíveis. Isso porque, nesta
    hipótese, não se admite o recurso à base legal do legítimo interesse, vedação que, em
    muitas ocasiões, pode demandar do agente de tratamento a obtenção do consentimento
    “de forma específica e destacada, para finalidades específicas”, na forma do art. 11, I, da
    LGPD.
  46. A esse respeito, vale mencionar que a exclusão de pessoas jurídicas de direito
    privado com fins lucrativos do conceito de órgão de pesquisa foi objeto de expressa
    análise pelo Poder Legislativo no curso do processo de deliberação sobre a Medida
    Provisória nº 869, de 27 de dezembro de 2018, que alterou a LGPD para dispor sobre a
    proteção de dados pessoais e para criar a ANPD. O assunto foi tratado em duas emendas
    (nº 36 e 120), que tinham por objetivo, justamente, a inclusão de pessoas jurídicas de
    direito privado com fins lucrativos no conceito de órgão de pesquisa. Contudo, ambas
    foram rejeitadas pela Comissão Mista do Congresso Nacional. Do Parecer apresentado à
    época, destaca-se o racional adotado para a rejeição das emendas:
    Por fim, na questão dos órgãos de pesquisa, a Lei previa uma exceção à obtenção do consentimento
    para estas entidades quando públicas (art. 7º, inciso IV). Tal flexibilização se faz necessária para
    facilitar a consecução de políticas públicas assim como a prestação de serviços, por exemplo
    facilitação de pesquisas realizadas pelo IBGE. Já entidades de pesquisa privadas, ao não estar
    exercendo mandatos legais e objetivarem o lucro, devem sim obter consentimento.18
  47. Além da necessária avaliação da natureza e da finalidade institucional do agente
    de tratamento, outro requisito que deve ser observado para as operações fundamentadas
    na base legal em estudo é a garantia, sempre que possível, da anonimização dos dados
    pessoais, conforme o disposto nos arts. 7º, IV e 11, II, c.
    19
  48. De forma mais ampla, o art. 13 da LGPD se refere à adoção de “práticas de
    segurança”, que incluam, “sempre que possível, a anonimização ou a pseudonimização,
    dos dados”. Como já mencionado, embora este último artigo se refira aos estudos em
    saúde pública, os parâmetros legais nele previstos também devem ser aplicados a
    pesquisas realizadas em outras áreas do conhecimento, conforme as peculiaridades de
    cada caso. Do mesmo modo, o art. 16, II, ao autorizar a conservação de dados pessoais
    para fins de estudo por órgão de pesquisa, se refere à garantia da anonimização “sempre
    que possível”.
  49. Em conjunto, esses dispositivos legais indicam que a anonimização ou a
    pseudonimização de dados pessoais não foram instituídas pela LGPD como medidas de
    segurança impositivas, isto é, que devem ser adotadas em todo e qualquer caso de estudos
    e pesquisas. Da mesma forma, a LGPD não estabeleceu a anonimização ou a
    pseudonimização como pré-requisito técnico para a divulgação pública ou para o
    17 Vale lembrar que a LGPD não se aplica ao tratamento de dados pessoais “realizado por pessoa natural
    para fins exclusivamente particulares e não econômicos” (art. 4º, I). A hipótese levantada no texto, no
    entanto, é a de eventual tratamento de dados pessoais realizado por agente de tratamento pessoa natural
    para fins de realização de estudos e pesquisas. Neste caso, haverá a incidência da LGPD, desde que o
    tratamento não seja realizado para fins exclusivamente particulares ou tenha finalidade econômica.
    18 CONGRESSO NACIONAL. Parecer (CN) nº 1, de 2019, Relator: Deputado Orlando Silva, 7 mai. 2019,
    p. 72. Disponível em: https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documento?dm=7948833&ts=1630433098036&disposition=inline. Acesso: 14 mar. 2022.
    19 Conforme definido no art. 5º, XI, da LGPD, a anonimização é a “utilização de meios técnicos razoáveis
    e disponíveis no momento do tratamento, por meio dos quais um dado perde a possibilidade de associação,
    direta ou indireta, a um indivíduo.” Em razão disso, conforme o art. 12, os dados anonimizados não são
    considerados dados pessoais, ressalvadas as hipóteses de reversão do processo de anonimização, “utilizando
    exclusivamente meios próprios, ou quando, com esforços razoáveis, puder ser revertido”.
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    17
    compartilhamento de dados pessoais para fins de realização de estudos e pesquisas,
    devendo-se reconhecer, inclusive, que, em alguns casos, a identificação dos titulares pode
    ser imprescindível para os objetivos da pesquisa.
  50. A leitura mais adequada – e que decorre, em especial, do uso da expressão
    “sempre que possível” tanto nos arts. 7º e 11 quanto nos arts. 13 e 16 – é a de que a LGPD
    optou por um modelo mais flexível, que busca equilibrar a proteção de dados pessoais
    com as peculiaridades e os propósitos de realização dos mais diversos estudos e pesquisas.
  51. Segundo esse modelo, cabe aos próprios agentes de tratamento definir e adotar as
    medidas de prevenção e segurança apropriadas para a proteção de dados pessoais em cada
    contexto, sempre mediante a adoção de esforços razoáveis e das técnicas disponíveis à
    época do tratamento, considerando, ainda, a natureza da pesquisa realizada, os riscos para
    os titulares e os padrões éticos aplicáveis. Importante enfatizar que pesquisadores e
    respectivas instituições têm o dever de realizar o tratamento de dados pessoais com boafé, observadas a finalidade específica de realização de estudos e pesquisas e a
    confidencialidade dos dados pessoais utilizados, conforme o caso.
  52. Essa interpretação, vale enfatizar, é coerente com o regime jurídico especial
    previsto para as atividades acadêmicas e com o princípio da responsabilização e prestação
    de contas (art. 6º, X). Além disso, não afasta a necessidade de observância de regras
    impositivas específicas previstas na LGPD, tal como a vedação de revelar dados pessoais
    na publicação de resultados de estudos em saúde pública (art. 13, § 1º).
  53. Por fim, outro aspecto relevante para a utilização da base legal prevista nos artigos
    7º, IV e 11, II, c, refere-se à correta identificação dos sujeitos autorizados para ter acesso
    a dados pessoais e para a condução de estudos em representação aos órgãos e entidades
    legitimadas como órgãos de pesquisa, na forma do inciso XVIII do artigo 5º da LGPD.
  54. Nesse sentido, torna-se importante trazer ao estudo orientação estabelecida pela
    ANPD no Guia relativo aos agentes de tratamento.
    20 Desse documento, extrai-se a
    informação de que não são considerados agentes de tratamento as pessoas naturais que
    atuam como profissionais subordinados a uma pessoa jurídica ou como membros de seus
    órgãos, tais como os empregados, servidores públicos ou as equipes de trabalho de uma
    determinada organização. Esses indivíduos atuam sob o poder diretivo da própria
    organização, razão pela qual somente esta constitui agente de tratamento para fins da
    LGPD. Ainda conforme o exposto no Guia:
    Nesse sentido, a definição legal de controlador não deve ser entendida como uma norma de
    distribuição interna de competências e responsabilidades. De forma diversa, trata-se de comando
    legal que atribui obrigações específicas à pessoa jurídica, de modo que esta assume a
    responsabilidade pelos atos praticados por seus agentes e prepostos em face dos titulares e da
    ANPD.21
  55. Apontado entendimento induz à conclusão de que o agente legitimado à
    utilização da base legal em estudo é o próprio órgão de pesquisa, seja ele um órgão
    ou uma entidade pública ou uma pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos.
    Por isso, não se admite a utilização desta base legal por pessoas naturais que atuem em
    nome próprio ou sem qualquer vínculo com um órgão de pesquisa.
    20 Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Guia orientativo para definições dos agentes de
    tratamento de dados pessoais e do encarregado. Brasília, maio/2021, p. 5-6. Disponível em:
    https://www.gov.br/anpd/pt-br/assuntos/noticias/inclusao-de-arquivos-para-link-nas-noticias/2021-05-27-
    guia-agentes-de-tratamento_final.pdf. Acesso: 11 mar. 2022.
    21 Idem, p. 8.
    Documento TEXTO PARA DISCUSSÃO – ÓRGÃOS DE PESQUISA (.PDF) (3318436) SEI 00261.000810/2022-17 / pg. 17
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    18
  56. Como referido, a restrição aqui é apenas quanto à utilização da base legal prevista
    nos arts. 7º, IV e 11, II, c. Assim, pessoas naturais que atuam como controlador ou
    operador podem realizar tratamento de dados pessoais para fins de estudos e pesquisa,
    desde que amparados em outra base legal, a exemplo do consentimento e do legítimo
    interesse, vedada a utilização deste último no caso de dados pessoais sensíveis. Da mesma
    forma, a restrição apontada não impede que entidades e órgãos públicos disponibilizem a
    pessoas naturais acesso a dados pessoais em políticas de transparência ativa ou passiva,
    com amparo na LAI, observadas as disposições pertinentes da LGPD.
    22
  57. Em suma, de acordo com a LGPD, a responsabilidade pelo tratamento de dados
    pessoais nas hipóteses previstas nos arts. 7º, IV e 11, II, c, será do órgão de pesquisa – e
    não das pessoas naturais a ele subordinadas ou vinculadas, a exemplo de pesquisadores,
    bolsistas e estudantes de graduação ou de pós-graduação.
  58. O art. 13 da LGPD reforça essa interpretação, ao mencionar expressamente que
    “os órgãos de pesquisa poderão ter acesso a bases de dados pessoais, que serão tratados
    exclusivamente dentro do órgão”. Na mesma linha, o § 2º do art. 13 estabelece que “o
    órgão de pesquisa será o responsável pela segurança da informação […]”. Fica claro,
    assim, que a responsabilidade pelo tratamento de dados pessoais realizado para fins de
    estudos e pesquisas, inclusive no campo de saúde pública, é de natureza institucional, no
    sentido de que é legalmente atribuída ao próprio órgão de pesquisa.
  59. Dessa forma, entende-se prudente que, em momento anterior à realização de uma
    operação de tratamento, como no caso de compartilhamento de dados pessoais para fins
    de pesquisa, seja confirmada, pelos meios legítimos, a ciência do órgão de pesquisa
    quanto à realização do estudo e o seu compromisso de cumprir as disposições pertinentes
    da LGPD.
  60. Para tanto, podem ser adotados documentos dos quais constem informações
    básicas relativas ao estudo a ser desenvolvido, com a indicação dos indivíduos
    responsáveis pela sua condução e dos tipos de dados pessoais que serão objeto de
    tratamento.
  61. Especificamente no caso de entidades e órgãos públicos que disponibilizam acesso
    a dados pessoais para fins de estudo e pesquisa, entende-se que, sem prejuízo da
    observância dos demais requisitos legais aplicáveis, a exemplo das disposições da LAI, a
    comprovação do vínculo de pesquisador com o órgão de pesquisa pode ser realizada
    mediante a simples apresentação de documento formal, como, por exemplo, um “termo
    de ciência e responsabilidade”. Este documento deve atestar a ciência do órgão de
    pesquisa quanto à realização do estudo e quanto ao cumprimento das obrigações
    pertinentes previstas na LGPD, em especial a vinculação do uso dos dados à finalidade
    de realização do estudo e o compromisso de adotar as medidas de prevenção e segurança
    apropriadas ao caso.
    23
    22 Sobre os cuidados a serem observados quando da divulgação de dados pessoais pelo Poder Público, ver
    o Guia Orientativo – Tratamento de dados pessoais pelo Poder Público. Autoridade Nacional de Proteção
    de Dados (ANPD), Brasília, jan./2022, p. 20-23. Disponível em: https://www.gov.br/anpd/ptbr/documentos-e-publicacoes/guia-poder-publico-anpd-versao-final.pdf. Acesso: 17 mar. 2022.
    23 Importante registrar que a exigência desse tipo de documento é usual em contextos similares. Por
    exemplo, a submissão de um projeto de pesquisa envolvendo seres humanos à avaliação de um Comitê de
    Ética em Pesquisa deve ser acompanhada, entre outros documentos, de um “termo de compromisso”, que
    “deve ser assinado pelo responsável maior da instituição”, conforme previsto no item 03, do Anexo II, da
    Norma Operacional nº 001/2013, do Conselho Nacional de Saúde. Disponível em:
    Documento TEXTO PARA DISCUSSÃO – ÓRGÃOS DE PESQUISA (.PDF) (3318436) SEI 00261.000810/2022-17 / pg. 18
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  62. Ressalte-se que o documento acima referido é meramente exemplificativo, de
    modo que a sua aplicação concreta deve ser avaliada e adaptada de acordo com o contexto
    e os procedimentos já adotados pela entidade ou pelo órgão público. Afinal, a LGPD não
    estabeleceu uma forma rígida para a comprovação do vínculo de um pesquisador com um
    órgão de pesquisa, de modo que é possível a adoção de quaisquer outros formatos
    legítimos, inclusive em meio digital.
  63. Da mesma forma, entende-se que o documento em questão pode ser assinado por
    qualquer funcionário do órgão de pesquisa que detenha competência para tanto. No caso
    de universidades, por exemplo, ocupantes dos cargos de diretor, coordenador ou
    professores orientadores poderiam, em tese, exercer essa função. Mais uma vez, a
    avaliação quanto a este ponto deve verificada em cada caso, considerando a estrutura
    interna do órgão de pesquisa e a natureza dos dados pessoais compartilhados, entre outros
    elementos relevantes.
    V. Conclusão
  64. O presente estudo foi elaborado com o intuito de apresentar uma análise sobre a
    interpretação das principais disposições da LGPD aplicáveis ao tratamento de dados
    pessoais realizado para fins acadêmicos ou por órgãos de pesquisa. A análise
    desenvolvida constitui um documento de referência inicial, divulgado no formato de texto
    para discussão, com o intuito de promover o debate público e colher contribuições da
    sociedade, a fim de subsidiar a atuação da ANPD, em particular no que tange à fixação
    de entendimentos e à expedição de orientações aos agentes de tratamento.
  65. A partir de um levantamento das principais questões e dúvidas apresentadas à
    Ouvidoria sobre o tema, a análise se concentrou em três aspectos: (i) definição e alcance
    dos conceitos de “tratamento de dados para fins exclusivamente acadêmicos” (art. 4º, II,
    b) e de “órgão de pesquisa” (art. 5º, XVIII); (ii) bases legais que autorizam o tratamento
    de dados pessoais para a realização de pesquisas, em especial os arts. 7º, IV e 11, II, c, da
    LGPD; e (iii) delimitação de responsabilidades e forma adequada para a comprovação da
    identidade do pesquisador e de seu vínculo com o órgão de pesquisa a fim de instruir
    processos de disponibilização de acesso ou de compartilhamento de dados pessoais para
    a realização de estudos.
  66. De início, foi demonstrado que a LGPD estabeleceu um regime jurídico especial
    aplicável ao tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos e de realização de estudos
    e pesquisas, de acordo com o qual devem ser observados os seguintes preceitos gerais:
    (i) interpretação da LGPD de forma compatível com as garantias da liberdade de
    expressão e do pluralismo de ideias no ambiente acadêmico, bem como com a promoção
    da inovação e do desenvolvimento científico e tecnológico no País;
    http://www.conselho.saude.gov.br/Web_comissoes/conep/aquivos/CNS%20%20Norma%20Operacional
    %20001%20-%20conep%20finalizada%2030-09.pdf. Acesso: 15 mar. 2022. Por sua vez, o art. 61 do
    Decreto nº 7.724/2012, que regulamenta a LAI no âmbito do Poder Executivo federal, condiciona o acesso
    a informações pessoais por terceiros “à assinatura de um termo de responsabilidade, que disporá sobre a
    finalidade e a destinação que fundamentaram sua autorização, sobre as obrigações a que se submeterá o
    requerente.”
    Documento TEXTO PARA DISCUSSÃO – ÓRGÃOS DE PESQUISA (.PDF) (3318436) SEI 00261.000810/2022-17 / pg. 19
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    (ii) regime de proteção de dados pessoais mais flexível e adequado à dinâmica
    própria das atividades acadêmicas, baseado na incidência parcial da aplicação da LGPD
    ao tratamento de dados pessoais realizado para fins exclusivamente acadêmicos;
    (iii) expresso reconhecimento da legitimidade da utilização de dados pessoais para
    fins de realização de estudos e pesquisas, finalidade esta considerada compatível com a
    legislação de proteção de dados pessoais;
    (iv) autorização para a conservação de dados pessoais para assegurar a realização
    de estudo por órgão de pesquisa, garantida, sempre que possível, a sua anonimização; e
    (v) possibilidade de disponibilização de acesso ou de compartilhamento de dados
    pessoais, inclusive os de natureza sensível, para fins de realização de estudos,
    especialmente por órgãos de pesquisa e respectivos pesquisadores, na forma da lei,
    observadas as salvaguardas técnicas e jurídicas apropriadas e proporcionais aos riscos
    envolvidos e a vinculação do tratamento à finalidade de realização de estudos e pesquisas.
  67. Levando em conta esses preceitos gerais, demonstrou-se que a derrogação parcial
    da LGPD, prevista em seu art. 4º, II, b, deve ser interpretada restritivamente. Assim,
    admite-se o afastamento parcial da aplicação da LGPD apenas nos casos de tratamento
    de dados pessoais vinculados de forma estrita – ou, conforme a terminologia utilizada na
    lei, exclusivamente – ao exercício da liberdade de expressão nos ambientes acadêmicos.
    Pela mesma razão, é necessária a observância plena da LGPD sempre que o tratamento
    de dados pessoais atender a outros fins que não aqueles estritamente vinculados à livre
    expressão acadêmica, como no caso de tratamento de dados pessoais realizado por
    instituições de ensino para fins administrativos.
  68. Ainda quanto ao art. 4º, II, b, da LGPD, verificou-se que, em razão da referência
    aos arts. 7º e 11 em sua parte final, o tratamento de dados pessoais para fins acadêmicos
    deve ser sempre lícito, isto é, compatível com o ordenamento jurídico e regularmente
    amparado em uma das bases legais previstas na lei, sem prejuízo da aplicação de outros
    dispositivos da LGPD, no que couber. É o caso, entre outros, do art. 13, que dispõe sobre
    os estudos em saúde pública e estabelece parâmetros que podem ser aproveitados em
    outros contextos de tratamento de dados para fins acadêmicos, bem como dos princípios
    (art. 6º) e de outras determinações, como as dos arts. 8º, 10 e 12, que explicitam conceitos
    ou auxiliam a compreensão e a aplicação das disposições relativas às bases legais.
  69. Em relação ao disposto nos arts. 7º, IV e 11, II, c, da LGPD, a análise concluiu
    que a lei possibilita o tratamento de dados pessoais que tenha por finalidade a realização
    de estudos por órgãos de pesquisa, alcançando, inclusive, o tratamento de dados pessoais
    de natureza sensível, independentemente de consentimento pelo titular do dado,
    observados determinados requisitos a seguir expostos.
  70. Em primeiro lugar, o agente de tratamento deve se enquadrar na definição de
    “órgão de pesquisa” (art. 5º, XVIII), isto é, deve ser órgão ou entidade da administração
    pública direta ou indireta ou, ainda, pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos
    legalmente constituída sob as leis brasileiras, com sede e foro no País. Além disso, deve
    possuir entre suas missões institucionais ou em seu objeto social ou estatutário a pesquisa
    básica ou aplicada, para fins históricos, científicos, tecnológicos ou estatísticos. Assim,
    foram excluídos do conceito de órgão de pesquisa e, por isso, não podem se valer da base
    legal em comento, as pessoas naturais e as pessoas jurídicas de direito privado com fins
    lucrativos.
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  71. Em segundo lugar, é necessário que os dados pessoais utilizados para fins de
    estudos e pesquisas sejam anonimizados ou pseudonimizados, “sempre que possível”,
    conforme previsto nos arts. 7º, IV, 11, II, c, e nos arts. 13 e 16, II, da LGPD. A expressão
    em destaque indica que, no que concerne às medidas de prevenção e segurança, a lei
    adotou um regime flexível, que busca equilibrar a proteção de dados pessoais com as
    peculiaridades e os propósitos de realização dos mais diversos estudos e pesquisas. Daí
    decorre que a LGPD não estabeleceu a anonimização ou a pseudonimização como prérequisito técnico para a divulgação pública ou para o compartilhamento de dados pessoais
    para fins de realização de estudos e pesquisas, devendo-se reconhecer, inclusive, que, em
    alguns casos, a identificação dos titulares pode ser imprescindível para os objetivos da
    pesquisa.
  72. Dessa forma, a lei conferiu aos agentes de tratamento a responsabilidade para
    definir e adotar as medidas de prevenção e segurança apropriadas para a proteção de
    dados pessoais em cada contexto, sempre mediante a adoção de esforços razoáveis e das
    técnicas disponíveis à época do tratamento, considerando, ainda, a natureza da pesquisa
    realizada, os riscos para os titulares e os padrões éticos aplicáveis.
  73. Cumpre enfatizar, ainda, que é plenamente possível que o consentimento seja
    dispensável do ponto de vista da legislação de proteção de dados pessoais e necessário do
    ponto de vista ético, haja vista a existência de uma relação complementar entre os campos
    legal e ético de regulação das atividades de pesquisa.
  74. Por fim, de acordo com a LGPD, a responsabilidade pelo tratamento de dados
    pessoais nas hipóteses previstas nos arts. 7º, IV e 11, II, c, será sempre do órgão de
    pesquisa – e não das pessoas naturais a ele subordinadas ou vinculadas, a exemplo de
    pesquisadores, bolsistas e estudantes de graduação ou de pós-graduação. Trata-se, por
    outras palavras, de uma responsabilidade de natureza institucional, que é legalmente
    atribuída ao próprio órgão de pesquisa.
  75. Em razão disso, em momento anterior à realização de uma operação de tratamento,
    como no caso de compartilhamento de dados pessoais para fins de pesquisa, deve ser
    confirmada, pelos meios legítimos, a ciência do órgão de pesquisa quanto à realização do
    estudo e o seu compromisso de cumprir as disposições pertinentes da LGPD.
  76. Especificamente no caso de entidades e órgãos públicos que disponibilizam acesso
    a dados pessoais para fins de estudo e pesquisa, entende-se que, sem prejuízo da
    observância dos demais requisitos legais aplicáveis, a exemplo das disposições da LAI, a
    comprovação do vínculo de pesquisador com o órgão de pesquisa pode ser realizada
    mediante a simples apresentação de documento formal, como, por exemplo, um “termo
    de ciência e responsabilidade”. Este documento deve atestar a ciência do órgão de
    pesquisa quanto à realização do estudo e quanto ao cumprimento das obrigações
    pertinentes previstas na LGPD, em especial a vinculação do uso dos dados à finalidade
    de realização do estudo e o compromisso de adotar as medidas de prevenção e segurança
    apropriadas ao caso.
    Documento TEXTO PARA DISCUSSÃO – ÓRGÃOS DE PESQUISA (.PDF) (3318436) SEI 00261.000810/2022-17 / pg. 21

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